2009-02-18
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


A Lua Cheia de Luz



Terminou, na segunda-feira, a Lua Cheia. Segundo o Almanaque pagão para 2009, esta Lua Cheia de Fevereiro é designada como a Lua da Neve, pois é neste mês que cai a neve mais pesada, e este mês de Fevereiro de 2009 não quis deixar mentir a Lua, cansada que está de ser chamada mentirosa pelos humanos que outra coisa não fazem senão mentir e o problema não é que o façam perante os outros, mas a mentira original, que é a que contam a si mesmos. Tradicionalmente, esta Lua de Fevereiro, correspondente à primeira festa da Luz do ano pagão, Inbolg, era também designada como “Lua Cheia de Fome”, por causa da caça se tornar mais difícil de obter devido ao tempo agreste, num tempo em que a fome era suprida desta forma.

Isto, numa concepção temporal regida por uma visão circular e lunar, não linear como temos agora, ignorantes da Lua.

Inbolg, que significa “dentro do útero” é a festa do Fogo, num momento em que ainda sofremos os rigores do Inverno e nos recolhemos ao útero das casas e a semente está ainda recolhida no útero da terra, mas a Luz já se prepara para nos visitar, como são sempre todas as transições, todas as crises, todas as passagens, todas as mutações. Vivemos agora esta micro passagem cíclica, mas vivemos uma outra passagem de uma desordem velha para uma ordem nova. Por essa razão os economistas honestos afirmam que não entendem a crise, afirmam que não a percebem, que não se parece com nada, e qualquer uma das soluções conhecidas não resulta. É natural: estão ainda a pensar em termos de velhos paradigmas e o que está a emergir é já da ordem do novo, do desconhecido e requer soluções criativas. Tal como a Lua. Há alguns sinais a emergir de uma mudança nos tempos: os partidos tal como foram concebidos já não servem, a política em termos de corrupção organizada também já teve os seus dias, as pessoas reúnem-se de modos diferentes (é curiosa a proliferação de actividades criativas e formativas a nível espontâneo, nas Juntas de Freguesia e noutras organizações informais, para todas as idades, nos lares de terceira idade organizam-se actividades onde se juntam idosos e crianças), um presidente absolutamente improvável é eleito no maior império do mundo…

Recolhamos à Lua neste mês que se inicia com a festa das Candelárias, uma “adaptação” do cristianismo (num tempo em que o cristianismo era muito “adaptável”, ou não cresceria), que transformou a antiga festa pagã na Purificação de Maria, que não deixa de ser uma deusa pagã, ainda que a tenham querido transformar em Virgem. E nem por isso perde o seu poder, que lhe vem da Lua, ou de todas as divindades femininas de que ela é uma das expressões.

Na realidade, a tradição vem da Irlanda antiga, a deusa era Brighid, a "Noiva do Sol”, que o cristianismo transformou em Santa Brígida. Tudo bem, os santos aguentam, por isso são santos.

Brighid presidia ou protegia a arte, a poesia, a criatividade e as profecias, assim como as artes da cura e da metalurgia, nomeadamente os ourives, o que faz sentido, porque enquanto ser do Fogo era possível comunicar com ela através de fogueiras, velas, todo o tipo de luminárias simbolizando o crescimento da deusa luz e a sua vitória sobre as trevas do Inverno. No dia anterior apagava-se todo o fogo ou luzes a fim de voltarem a ser acesos, em ritual, com a Luz de Brighid.

Os romanos festejavam a deusa Frebua a 14 ou 15 de Fevereiro, em festejos que se aproximam muito do que conhecemos como carnaval. E a Lua no azul celeste a sorrir, vendo passar estes desfiles de rituais transfigurados com que os humanos procuram reaproximar-se de algo que pensam ter perdido e que lhes é difícil reencontrar, porque na realidade é impossível encontrar algo, se não se sabe o que é que se perdeu. Eu diria: como é possível encontrar o que nunca se perdeu?

E não é verdade? Ali está ela, ciclicamente no céu, cheia de luz ou cheia de fome, a lembrar-nos a nossa luz e a nossa fome de luz, que é afinal a mesma coisa: fome da luz que mesmo em Lua nova nunca perdemos. Porque a Luz brilha sempre. Mesmo no escuro. Principalmente aí. É o que se passa neste momento que atravessamos. O caos antecede a ordem. Tenhamos firmeza, flexibilidade, paciência e persistência. E compaixão. Por nós mesmos. A Lua nunca nos abandonará.



risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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