Risoleta Pinto Pedro
UM DINOSSÁURIO NO JARDIM
Esta história foi-me contada por uma colega e passou-se (continua a passar-se) com um seu familiar. Fui muito sensível a esta narrativa, porque tenho uma simpatia especial pelos dinossauros, por eles mesmos, e ainda mais a partir do momento em que soube que as galinhas são descendentes deles. Não sei se é verdade, mas gosto de saber, pelo menos, desta probabilidade.
Consola-me saber que tive em todos os quintais da minha infância, representantes desses antigos senhores do mundo que nos causam uma tal curiosidade e melancolia, que corremos atrás de cada ossinho ou vestígio dele como de pepitas do ouro mais valioso. Afinal, estamos a falar de nós, da história do planeta.
Corremos, mas depois ali ficamos pasmados a olhar, como se sabe, neste país desenterrar e transportar seja o que for não é assunto para pressas.
Desde que me lembro, que as galinhas fazem parte do meu mundo: elas, as suas capoeiras, os seus ovos, os seus acordares, as suas crias, as suas penas, os seus galos, o seu cacarejar, as suas cristas, os seus sustos, os seus adormeceres. São uns animais alegres, leves, nunca vi uma galinha deprimida, mesmo aquelas galinhas de pescoço depenado tinham um estar sábio e estóico de quem já viveu muito. O que se percebe, se pensarmos que os seus ascendentes podem ser os dinossauros.
As galinhas da minha infância eram pacientes com as minhas perseguições, nunca deixaram de correr à minha frente quando me apetecia uma bela correria, e adorava observá-las a comer os restos de frutos e legumes das refeições que lhes oferecia. Proporcionaram-me também os primeiros sentimentos contraditórios de crueldade e compaixão, quando ajudava a depená-las, já de pescoço cortado, para um almoço de domingo.
Portanto, ter dinossauros vivos e mortos no quintal é uma experiência do quotidiano da minha infância. Razão pela qual me interessei, quando a minha colega me contou que o seu familiar tem (melhor, teve) um dinossauro no quintal. Nada que me espante excessivamente, no entanto dá-se o caso que neste caso não são galinhas, mas um dinossauro mesmo, sem pele, mas com osso. Trata-se dos ossos. E afinal chama-se “dinossáurio”, pelo menos é assim que está escrito no desdobrável (pois, isto é mesmo a sério) da exposição que está patente no Museu Nacional de História Natural a partir de Fevereiro deste ano e até 2010.
E cito: “Tudo começou quando, em 1988 o Sr. José Amorim, de Andrés (Santiago de Litém, Pombal), decidiu iniciar a abertura das fundações para a construção de um anexo destinado ao apoio da actividade agrícola. Para sua surpresa a retroescavadora desenterrou diversos ossos fossilizados de grandes dimensões”.
Acontece que o senhor Amorim, foi felizmente muito inteligente, percebeu do que se tratava (deve ter brincado bastante com galinhas na infância) e imediatamente deu conhecimento do sucedido às entidades competentes. Que pelo visto, desta vez, foram mesmo competentes, pelo menos ao princípio, depois não sei, há um hiato de tempo envolto em mistério, que não tentei desvendar. Aliás, foram todos competentes: o dinossáurio que foi deixar os seus restos mortais no quintal do senhor Amorim, o senhor Amorim que o reconheceu, e as entidades que encaminharam o caso para o Museu Nacional de História Natural.
Entretanto os anos foram passando, que é o que os anos sabem fazer, e depois de uma escavação de emergência no mesmo ano e mais duas (em 2005!), já não tanto de emergência (os anos foram passando… e eu não perguntei o que se passara durante este tempo em que o senhor Amorim ficou à espera de poder construir o anexo, a gente já não estranha estes ritmos digamos… mediterrânicos… eu sei que é lá mais para o norte, mas que nos custa usar um eufemismo?! E além disso se ele lá ficou enterrado desde o Jurássico superior, que importância tem mais vinte anos, menos vinte anos?, até podia fazer-lhe mal o choque de um desenterramento… súbito!, não é?!), dizia eu que depois da emergência de 1988 e das escavações de 2005, finalmente vamos ter o “Allosaurus” (um dinossáurio bípede, diz o desdobrável), um terópode carnívoro, provavelmente um sub-adulto de 7 a 8 metros, com dois metros de altura e uma tonelada de peso. Talvez assim se explique a dificuldade em levantá-lo, mas por outro lado, se estava todo separado em bocados, osso a osso como sempre se disse, enche a galinha o papo, passe a inexactidão e sem querer ofender o dinossáurio.
O que também diz no desdobrável é que, como este género apenas era conhecido no sub-continente norte americano, este caso é muito espantoso, embora possa ser explicado com o facto de que no final do Jurássico as terras da América do Norte e da Península Ibérica estavam muito mais perto do que hoje, esta transferência de fauna pode ter a ver com “[…] algumas oportunidades de passagem que a proximidade de terras emersas permitia […]”.
Não me é difícil imaginar um ser grandioso como este “Allosaurus”, apesar de o designarem também de “fragilis” passando por um caminho de pedras rumo ao jardim do senhor Amorim ali em Pombal, por ter sabido que um dia este jardim havia de ser habitado pelas galinhas, seus embora minúsculos, honrosos descendentes. E ali ficou repousando da penosa travessia dos continentes, à espera que um dia o Museu Nacional de História Natural o transportasse até Lisboa (já chega de viagens, deve ter pensado, agora que me transportem, se fazem favor), para o senhor Amorim poder fazer, finalmente, o seu anexo. Se lhe derem a autorização, que com o simplex talvez demore menos tempo que o que levou ao “Allosaurus fragilis” a chegar ao Museu. Já lá está, podem ir vê-lo. Não o façam esperar, pensem no que ele teve de andar (e esperar, no interior da terra, como pedra preciosa oculta) para chegar até nós.
P.S.: Não me sai da cabeça o nome deste “Allosaurus”. Que terá levado um “frágil” adolescente (afinal pesava apenas uma tonelada…) a atravessar o oceano, mudar de continente e vir terminar os dias num quintal europeu (eu sei que a crise ainda não se adivinhava no ar)? Para além de que o facto de ser adolescente explica muita coisa, o desejo de aventura, a vontade de conhecer, ver novas paisagens, não estará ele na origem da nossa posterior melancolia que terá conduzido a uma inconsciente mas decidida vontade de cruzar os mares… em sentido inverso?
Informações:
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