Risoleta Pinto Pedro
Na passagem do DIÁRIO ao HANGAR, escrita escorrida e escorreita, a escrita deixou-se escorregar pela coluna da estrofe em forma de prosa lírica e fluida
espraia-se no chão da página.
"Cairão as colunas dos meus templos de outrora"
Faz pausa:
. para o amor
. para o repouso
. para a reflexão
Aqui, as colunas do poema que em certa poesia os versos às vezes formam, abatem-se correndo como um leito de rio.
A ponte não o atravessa mas acompanha-o. Seguimos pela paradoxal ponte longa como um rio até ao fim do livro e abrimos o outro, onde as colunas de novo se levantam.
Do repouso ao trabalho.
Leio os livros de poesia e é como se lesse ou desvendasse um diário criptado. Ler um livro de poemas é entrar pelos caminhos misteriosos do labirinto do poeta. Desvendo segredos que volto a esconder no passar da página, mas por vezes a página seguinte persegue-me com o segredo escondido na anterior. Pior que isso: revela-o, expõe-no.
Que temos aqui?
Da poesia à prosa ou desta àquela. Do hangar ao rumo. Um diário cifrado pela metáfora.
Fala-se humanamente da insatisfação, interrogações humanas acerca do como salvar-se do erro, palavras entre o prazer e a interrogação, com a presença constante do Eu lírico. E do Tu, que é a "Laura", a "Bárbara", a "Lídia" de todos os poetas. Nomes diferentes para a mesma. Desde sempre. Houve também quem lhe chamasse Eva. A eterna e sempre nova narrativa da chegada do amor. Mas também a natureza, o eu, os eus, o tempo. Interrogações sobre o mistério.
Está na sociedade, este poeta, e como todos os poetas, antes ou depois do romantismo, todos os românticos, também este só contra o mundo, ainda que isso o destrua? não fosse o exemplo salvador de Buda.
O ADN desta poesia é toda a história da humanidade que a atravessa, uma biblioteca como um banco de sangue. Em livros.
Também na forma, ou na fórmula: "Mas a noite.", em que a adversativa afirma a excelência, ou a eleição; às vezes os poetas descobrem o segredo do mistério da história e da vida, a diferença entre a noite e as trevas, o rigor do segredo. A noite, afinal, é a luz. Mas é tão simples o segredo que revelam, que logo o esquecemos. Por inverosímil.
Seguem-se paradoxos existenciais indiciados pelo título (Hangar de Sonhos) a denunciar ou a desabafar a perplexidade de Ser.
Na forma, muitas vezes os poemas juntam-se aos pares: um é uma nota para o desenvolvimento do seguinte, outro, o aclareamento do anterior.
Ou uma forma de saborear a sombra.
No todo, a história de uma iniciação, ou a própria iniciação na versão de poema.
No fim do livro, quando o poema sobe como espuma de bebida fermentada e ocupa toda a página ameaçando transbordar, o leitor abandonou a pose, as notas, o lápis, e chorou. A beleza também pode fazer chorar.
Regressamos então ao Diário de uma Ilha Distante, que começa com uma bela reflexão do autor sobre a poesia, ou sobre um designado "Norte Poético".
Com este livro M Máximo volta à Ilha (já lá tinha estado, narrativamente), passando aparentemente do mito à poesia, mas novamente da poesia ao mito. Eterna viagem sem espaço, viagem no ponto onde começa e se dissolve o infinito. O centro.
O lugar do altar-(a)mor que já conhecemos de outros seus poemas, altar algures colocado entre a arte e a magia num espaço totalmente sagrado, totalmente profano onde as palavras poemas multiplicam a infinitude do amor, como veículo, sentido ou rumo de invisíveis caminhos.
Até um lugar que pode chamar-se Creta, que sempre os poetas chama como uma chama.
risoletapedro@netcabo.pt
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