Risoleta Pinto Pedro
A paixão do cifrão
Num tempo em que existe no horizonte a possibilidade de maus administradores virem a ser "indemnizados" não se sabe de quê, num momento em que altos dirigentes de cargos de vital importância para o país vão cometendo erros e descuidos impunemente (quem os avalia?), milhares e milhares de professores estão à beira de um ataque de nervos vendo os seus protestos ignorados por uma administração cega e surda às verdadeiras questões da educação. Professores excelentes estão a reformar-se antecipadamente, professores low profile até aqui completamente à margem de toda a reivindicação, que nunca fizeram uma greve, que nunca participaram numa manifestação, estão neste momento em intensa actividade de protesto, vão ás manifestações, subscrevem abaixo-assinados, moções, disposição para a greve. Pelo menos esse mérito teve esta equipa: unir uma classe.
Isto não significa nada? Nas escolas trabalha-se de manhã à noite (onde é que vão as 35 horas semanais, quem nos dera) e não chega. Trabalha-se ao fim-de-semana em casa e não chega. Trabalha-se assim para que os alunos não sejam prejudicados com tudo isto, mas ninguém vai aguentar muito tempo. Isto é justo? Os professores não são apenas comuns funcionários públicos. A bem do país presente e futuro, um professor tem de ser no mínimo. Bom! E não por decreto. É, porque é. Um sistema de quotas nesta classe não é aceitável e apenas o seria se fosse colocado exactamente ao contrário da forma como é posto. Em vez de uma pirâmide com alguns excelentes em cima seguidos do Bom e do Muito Bom etc, o que devia acontecer era na base da pirâmide os excelentes (porque ou um país tem uma classe de professores maioritariamente excelente, ou não vai longe), seguidos dos Muito Bons e dos Bons, e cada escola teria de explicar outros, que seriam em número mínimo. Teria de explicar e resolver. Porque o esforço do país, das escolas, da educação, seria investido em tornar a classe excelente em vez de andarmos a brincar às avaliações que vão de simplificação em simplificação (e o tempo que isso toma às escolas, mantendo-se tudo o que é mau, apenas para o ministério do betão não perder a face nem votos. Porque é disso que se trata: o equilíbrio entre o braço de ferro e as necessidades da aproximação das eleições.
Somos utopistas? Se as crianças governassem o mundo estaríamos melhor. Já experimentámos excessivamente um modelo errado, os custos para as escolas já são grandes. Pior do que cometer um erro é persistir nele, a senhora ministra pede desculpa aos professores, mas avança como um tanque blindado de demagogia, frases feitas a piscarem o olho à opinião pública, validada por alguns jornalistas e políticos (não todos) que não sabem ler o que se passa, que não entendem o grau de demagogia, porque não estão nas escolas. É aflitivo vê-los a balbuciar, com a consciência clara de que não sabem o que estão a dizer, e mesmo assim vão dizendo o impronunciável. A própria ministra (não o saberá ela? Assinará de cruz?), quando afirma que os professores entenderam mal a lei quando os professores e os alunos se queixam que as faltas justificadas com ou sem atestado médico, contam para a reprovação, porque contam, a única diferença é que se forem todas injustificadas conta o número de aulas multiplicado por dois e se não forem todas injustificadas, multiplica por três, será que leu a lei que assinou, o despacho de 18 de Janeiro?!, para ser capaz de fazer esta afronta aos professores, que não só têm de saber minimizar leis injustas, mas ainda são acusados de as interpretarem mal? Todos???!!!, tenho de pensar que não conhece as suas leis.
Entretanto, alguma oposição sem perceber nada do que está em causa vai-se aproveitando desta desastrada e desastrosa política e forma de fazer política, os professores vão-se reformando antes de tempo, os alunos vão sofrendo com isto e agindo também muito desastradamente (não podemos estar de acordo com a forma dos últimos protestos), o primeiro-ministro, embora com alguma preocupação, porque isto está a tomar contornos imprevisíveis numa classe até aqui conformada, vai esfregando as mãos, antevendo os tostões a arrecadar com este sistema de quotas a acrescentar aos que já arrecadou com outras medidas injustas e incorrectas. E pelo sim pelo não, vai distribuíndo Magalhães. Para quando não houver professores, valha-nos a santa internet. As paixões assolapadas nunca deram grandes frutos neste país. Era preferível que o primeiro-ministro não tivesse a paixão da educação, mas que a amasse. Para não acontecer à educação o que aconteceu à Inês, que "despois de morta foi rainha". Isso não nos interessa nada, é romantismo decadente "avant la lettre". Não me comove.
Tem-se ouvido bradar: "A ministra fora do Governo". Não. Defendo antes uma remodelação ministerial. Ponham-na nas finanças. Temos de ser pragmáticos, não é?
E por favor, ponham na educação alguém que perceba mesmo alguma coisa do assunto, e dêem-lhe lecitina, gingko biloba ou outra coisa qualquer dessas substâncias naturais (porque nunca se sabe que efeito poderão ter os químicos) para que não se esqueça e não se aliene ao chegar lá.
Quanto às escolas, as escolas estão à beira de se tornarem campos de batalha de jogos virtuais, digo, de ilusão. O professor que vier a "parecer" o melhor, será o melhor. O professor competente, mas discreto, e que não tende a fazer valorizar externamente o seu trabalho, corre o risco de ser desvalorizado. Digam-me os pais: que professor escolheriam para os vossos filhos? Ouço-vos em uníssono: o segundo. Faço coro convosco para os meus filhos. Independentemente da qualidade que até poderá ter o primeiro, mas eu quero para os meus filhos um professor que não só pareça, que seja mesmo. Mas atenção, que isso pode ser uma espécie em extinção. Ou se reforma, ou encontrando algo de bom lá fora, opta por se ir embora. Ficarão alguns, que amam a educação. Não se dará por eles. Por causa das acrobacias e do "brilho dos excelentes". Que cega.
Os professores não são naturalmente competitivos. No anterior modelo de avaliação (sim, os professores já eram avaliados, ao contrário do que por aí se diz, a começar pelo primeiro-ministro) os professores na sua maioria contentavam-se com uma avaliação em termos de Satizfaz, que lhes permitia progredir e raros eram os que solicitavam o que também era o seu legítimo direito, uma avaliação de Bom ou Muito Bom, mas que não preocupava a maioria.
Agora, com as quotas, o gérmen da competição, no pior sentido, já se sente nas escolas em estado de latência (e também isto é muito humano) e os alunos não vão beneficiar com isso. Porque o trabalho dedicado que se faz no dia-a-dia não é quantificável e é muito difícil de mostrar. Muito menos de exibir.
Um professor que no final do ano tenha muitas negativas ou resultados muito bons ou nem uma coisa nem outra, pode ser um professor muito mau, pode ser um professor muito bom e também pode não ser uma coisa nem outra. Isto é só um exemplo. Os parâmetros, seja lá a volta que lhes dermos, caem por terra.
Apesar de tudo isto, não percamos a esperança. Há um limite para a demência. A verdadeira luz não se apaga. Ela resplandece mesmo na obscuridade mais profunda.
risoletapedro@netcabo.pt
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