Risoleta Pinto Pedro
DA POESIA
“Aquilo que o acto de escrever tem de mais positivo
é que a pessoa se liga a si mesma da forma mais profunda,
e isso é como chegar ao céu.”
Adrienne Rich
Aqui há uns dias, na apresentação de um livro, um psiquiatra contou que quando na situação terapêutica tudo parecia falhar, recorria à poesia.
Eu estive há dias a dizer poemas meus no excelente espaço da Biblioteca Pública de S. Domingos de Rana onde um grupo de entusiastas se reúne uma vez por mês para ouvir um convidado a dizer ou a falar sobre poesia. No final da minha intervenção aconteceu uma coisa extraordinária a que eu nunca assistira. É normal, entre nós, uma certa timidez quando se trata de se mostrar as coisas que se fez, sobretudo quando a criação se passa ainda a um nível amador, pessoal, de fruição de si para consigo. Mas ali não aconteceu assim: praticamente toda a assistência se foi levantando, pessoa a pessoa, a dizer ou a ler poemas seus (na maior parte dos casos) ou de outros.
Entre estes, uma senhora de 94 anos e um senhor reformado que depois da reforma começou a fazer sonetos e agora é um mestre nesta arte renascentista; tem ganho sucessivos jogos florais a que concorre. Quase me pôs a chorar com um poema belíssimo, comovente, com muita qualidade (doutra forma não me poria a chorar, a qualidade sempre foi algo muito tocante para mim), sobre a mãe.
Houve quem lesse timidamente, outros mais expressivamente, uns mais sóbrios, alguns mais histriónicos, uns do seu lugar, outros mais ousadamente indo à frente da assembleia, houve até quem não se limitasse a dizer e cantasse.
No meio de uma assembleia adulta em que uma parte se situa na chamada terceira idade, um jovenzinho ainda a sair da adolescência me espantou ainda mais do que os outros pela sua entrega e entusiasmo com que ouvia, aplaudia e finalmente também foi dizer. Lá à frente.
Quando nas minhas aulas os alunos são confrontados pela primeira vez com o “ir lá à frente” falar ou ler para a turma, é frequente manifestarem verbalmente, ou pela atitude, como isso é perturbador. Numa época em que muita gente se põe em bicos dos pés para aparecer na televisão, por vezes em situações em que mais valia pintarem a cara para se tornarem irreconhecíveis, paradoxalmente ainda é difícil para alguns exporem-se frente aos seus pares.
Não é isso que acontece neste grupo de poesia.
Considero este fenómeno possível porque quase todos já se conhecem, foi-se criando ali um círculo de segurança, quase mágico, onde cada um pode dizer a poesia que quiser porque ninguém julga, ninguém critica e todos são aplaudidos na sua insubstituível individualidade. Um útero acolhedor e a salvo daquilo que mais se receia: a exposição, a nudez, a revelação de algo que por muito que seja transformado pela alquimia poética acaba por espelhar sempre uma certa intimidade. Talvez até tanto mais, quanto mais a máscara exibe. Não é por acaso que a palavra revelar se compõe de velar (cobrir com o véu?) duas vezes.
Daí, possivelmente, a relação entre a poesia e o auto-conhecimento. Também a nós nos revelamos quando escrevemos e quando lemos o que escrevemos. E se não escrevemos, há sempre um poeta que o faz por nós. Talvez por isso, mas sem o saber, nessa noite em que partilhei os meus poemas com aquela assembleia, um dos primeiros textos que li foi o seguinte:
“ Definição de poeta: o meu poeta é o melhor. O melhor poeta é o que me compreende.”
Mesmo que, acrescento agora, ele pense que nem sequer me conhece. Ou nem pense. Porque só se pensa naquilo ou naquele que se conhece. Pelo menos até um certo momento da nossa vida. Depois, quando nos apercebemos disto, começamos a pensar principa
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