2008-10-15
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


RECEITA PARA SALVAR UM SOS



Junta-se um editor, alguns autores, uma mulher-estátua, todos eles voluntários, e faz-se um livro. Num universo de metáforas como é este onde vivemos, até os objectos são contagiados pela vocação humana para os símbolos.

Um telefone pode ser uma bóia.

Quando alguém telefona para o SOS VOZ Amiga, ouço contar a alguns voluntários, é como se o tempo parasse. Por momentos, minutos, dizem-me, é como se a pessoa em angústia, qualquer tipo de aflição, deixasse de lutar com a onda em que se está a afogar, onda a que também há quem chame vida, mas que por vezes mais se assemelha à morte, e agarrado à bóia que do outro lado do telefone lhe estendem, se pusesse a boiar. Quem já de alguma forma se esteve a afogar sabe o que isto significa: uma oportunidade para que os pulmões expulsem a água, que o ar entre, o corpo ganhe novas forças e alguém venha dar-nos a mão. Isto pode acontecer ao telefone, contam-nos. Então, o telefone é bóia.

Mas um dia, fazem-me saber, o telefone precisou também de uma bóia. Em tempo de subsídios escassos, um SOS também pode ter problemas de sobrevivência. Então o “Telefone” telefonou a um outro SOS com nome de editor. Não um editor normal, mas um editor que ainda não está bem explicado de onde saiu, é ainda para todos um mistério, porque é um editor de um novo paradigma humano. Facilitador, generoso, simplificador, criativo, disponível e atento. Ouviu, ouviu e fez um gesto com a cabeça. Fez mais: o livro que o SOS lhe propunha não seria um livro, seriam vários livros, um de cada vez, um por ano.

Não é costume, não estamos habituados a isto. Mas é bom que nos vamos habituando aos milagres. O telefone fez mais uns telefonemas, mas já era menor a angústia. Havia uma bóia chamado editor e houve muitas bóias chamados autores. Uns fazendo da escrita a sua profissão, outros nem por isso. Mas todos unidos por uma mesma ideia: salvar o SOS.

Assim aconteceu. No dia Internacional da Saúde Mental juntaram-se todos a outras ONG reunidas no Parque Eduardo VII num evento promovido pelo Alto Comissariado para a Saúde em tenda cedida pelo Município e aí se fez a apresentação do livro. Os voluntários do SOS Voz Amiga andavam por ali anónimos, só se distinguiam dos outros porque estavam particularmente felizes. Alguns escritores se lhes juntaram. Houve até quem viesse de Braga propositadamente. Não menos feliz. Voluntários já se misturavam e confundiam com os escritores. O público também parecia feliz. E os fundadores e os técnicos. Cá fora, sobre a relva do parque, Filipa, a jovem estátua, segurava o mundo numa mão, mostrando como é fácil equilibrar o mundo, basta uma estátua, um editor, uns escritores, uns voluntários. Coisa simples. O sol ia-se despedindo deste lado do planeta com a silenciosa promessa de sempre voltar. Como o livro*. E a solidariedade.

* O livro chama-se Nas Margens da solidão, é publicado pela Padrões Culturais Editora e este primeiro volume tem textos em prosa e poesia de 18 autores, como João Aguiar, António Telmo, Firmino Mendes, Frederico Mira George, Ana Viana, Raquel Gonçalves-Maia, José Jorge Letria, João Rui de Sousa, Jaime Salazar Sampaio, António Ramos Rosa e Adalberto Alves, entre outros. Está em preparação o segundo, já com alguns textos oferecidos por outros autores, a sair no início do próximo ano.



risoletapedro@netcabo.pt
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