Risoleta Pinto Pedro
“…mas não me importo de trabalhar mais do que os outros…”
… diz o Senador Obama, numa entrevista. Ele não se importa de trabalhar mais do que os outros. Os atletas paralímpicos também não. As pessoas com qualquer tipo de deficiência também não. Obama não se importa, porque sabe que não tem alternativa. Um candidato negro num país onde ainda há relativamente poucos anos o apartheid era uma instituição, um candidato que afirma à partida que vai subir os impostos dos… ricos, vai ter mesmo de trabalhar mais do que os outros. Mas há algo mais, algo que ele, talvez compreensivelmente, não confesse: é que isso dá-lhe gozo.
Embora não seja a mesma coisa, as pessoas com deficiência também não se importam de trabalhar mais do que os outros. Porque precisam e porque se apaixonam por isso.
Isto é pacífico. Quem alguma vez esteve apaixonado por aquilo que faz nunca se importou de trabalhar mais do que os outros. Porque para ele isso é uma forma de alimentação e repouso. Uma espécie de férias clandestinas, hiper-subversivas, duplamente pagas. Desses, há até quem tente disfarçar pondo um ar semi-carrancudo, não vão os outros descobrir que afinal ele não está a trabalhar, mas a divertir-se. Isto sempre aconteceu, não deve confundir-se isto com os workolics, porque o que nestes é escapismo e automatismo, uma espécie de onanismo, nos outros é prazer, partilha, criação.
Sempre aconteceu com alguns em todos os lados, bastava que tivessem a sorte de estar no trabalho certo, aquela actividade que aquece os corpos e as auras.
Isto já aconteceu, já foi possível nas escolas. Houve sempre, e não eram poucos, os que não se importavam de trabalhar mais do que os outros. Por amor ao que faziam. Para os alunos. Com os alunos. Hoje todos têm de trabalhar muito, são imensas as horas a preencher fichas, estabelecer planos, criar grelhas, discutir selvas e selvas de legislação em intermináveis reuniões. Todos trabalham muito, excessivamente digo eu, disparatadamente, acrescento, mas as escolas, digo, os alunos, não beneficiaram com isso. Ouve-se dizer, às vezes, nos corredores: “no meio de tudo isto até tenho receio de me esquecer de alguma aula”. Isto era impensável antes. Já batemos no fundo? Oxalá. Para voltarmos à vida. Os alunos, afinal, apesar de todos os Magalhães, ainda necessitam de nós.
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