2008-09-17
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


FANTÁSTICO REAL



Li recentemente um conto ainda inédito de um escritor meu amigo, António Telmo. Ele disse-me que este conto não era ficção, mas realidade vertida em conto.

Não vou aqui contá-lo porque será noutro sítio que por ele será contado. Mas vou contar um episódio real por mim vivido que não verti em conto, mas também não estou segura que tenha sido real.

Passou-se na Catedral de Santiago e teve testemunhas. É claro que as testemunhas apenas podem testemunhar o acontecido, não a realidade do acontecido. Pelo menos a realidade neste mundo, ou, como dizem os físicos agora, do mundo deste lado de cá da membrana.

Foi há relativamente pouco tempo e recordo-o como se tivesse sido ontem. Andávamos por ali em grupo, pela cidade, íamos marcando encontros pontuais na catedral com que nos íamos reencontrando e novamente de lá irradiando cada qual para os seus lugares de interesse.

Reparei, logo pela manhã, a primeira vez que lá entrei, junto de uma das capelas laterais, sentado num banco, um homem, uma figura entre o nobre e o vagabundo espiritual, tão jovem quanto velho, impossível calcular a sua idade, esguio, feições finas e nobres, olhar frontal, ao mesmo tempo inocente o desafiador, se é que ambas as coisas não são a mesma coisa, vestido de forma discreta, quase neutra, elegante. Fato completo, camisa, gabardina. A imagem era atraente e misteriosa. O que tornava o todo muito surpreendente eram os enormes sacos plásticos a seus pés. Tendo o ar de serem todos os seus haveres materiais.

Da segunda vez que entrei na catedral, umas largas horas mais tarde, continuava no mesmo lugar, sentado, imóvel.

Da terceira, mais umas horas depois, a mesma coisa. Não resisti a mostrá-lo a uma pessoa do grupo. Ela decidiu não fingir que o ignorava e aproximou-se dele. Eu afastei-me para o fotografar. Neste momento, perante o nosso espanto, à aproximação da minha amiga, ele ergue-se murmurando qualquer coisa que ela não entendeu. Resolveu então perguntar-lhe, tratando-o inexplicavelmente por tu:

- Do que é que precisas? Dinheiro?

E estendeu-lhe umas moedas. O momento que se seguiu foi muito embaraçoso. Ele ficou em pé olhando incompreensivelmente as moedas que ela lhe estendia sem as receber. Até que, talvez para a poupar a uma embaraço mais prolongado, as recebeu guardando-as como quem guarda algo que não pediu, ou quem faz o favor de receber. Ela afastou-se, ele sentou-se, eu fotografei de longe. A foto desapareceu do meu telemóvel e voltou a aparecer, muito mais tarde, no meu PC. Sei que é uma história cheia de inverosimilhança. Mas como eu sou ficcionista, tenho sempre esse refúgio de conforto. Tome-a por um facto quem puder, leia-a como ficção quem não quiser.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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