Risoleta Pinto Pedro
O eucalipto num vaso
O eucalipto foi-lhe oferecido. Nunca percebeu porquê. Vinha dentro de um vaso. Aparentemente a coisa era segura. O amigo tinha comprado uma pequena floresta de meia dúzia de eucaliptos bebés e oferecera-lhe um. A despropósito. Ele nunca tinha sentido a falta de um eucalipto na sua vida. Nem sequer simpatizava muito com eles. Por causa das ávidas e insaciáveis raízes, roubadoras de toda a água das redondezas. Mas um eucalipto dentro de vaso, dissera-lhe o amigo, não constitui perigo. As raízes estão contidas pelas paredes do vaso, o que é que pode acontecer?
Nunca se sabe, dizia ele, nunca se sabe.
Contra toda a lógica. Era evidente o que o amigo afirmava. A não ser que as raízes saltem para fora do vaso, o que é de todo improvável, e ainda que acontecesse, nunca aconteceria sem que tu visses, o que é que pode acontecer?!
Lá ficou com o eucalipto para não parecer indelicado, supersticioso ou primitivo. Ficou com ele, mas prometeu silenciosamente para dentro de si que não havia de lhe deitar nem uma gota de água. Passava ostensivamente ao lado do vaso de regador na mão, regava os vizinhos, não o regava a ele. Pareceu-lhe uma ou outra vez vê-lo a salivar, mas depois entendeu que se trataria de seiva. Prematuramente. Mas que outra coisa poderia ser?
Ainda era Inverno. Não lhe pareceu estranho que não secasse, de vez em quando chovia. Mas depois veio a Primavera e a seguir o Verão e era um mistério a sobrevivência do eucalipto.
Um dia estava no banho e faltou-lhe a água. Achou normal. De outra vez foi quando estava a lavar a louça. Foi acontecendo pontualmente, uma vez ou outra, por pequenos períodos de tempo. Comentou com os vizinhos, a quem nada disso acontecera. Ficou alerta.
Começou a meditar sobre isto e a medir a humidade da terra do vaso. Era de fazer inveja a um peixe. Contra todas as evidências. Às vezes ficava um pouco mais seca. Logo a seguir faltava a água do banho. Entretanto, o eucalipto crescia a olhos vistos. O amigo ficava feliz quando o visitava, crendo que lhe passara a paranóia, tranquilizado por o seu gesto afinal ter sido bem recebido, apesar do receio inicial.
Um dia foi necessário fazer umas mudanças no terraço, trocou-se o sítio dos vasos, e foi preciso afastar também o do eucalipto. Impossível. Agarrava-se ao chão como se tivesse tentáculos. O vaso teve de ser partido, a terra retirada até ficarem apenas à vista o que era possível ver das raízes. Uma parte delas interiorizara-se na terra e seguia um percurso desconhecido. Foram cortadas as raízes até onde foi possível, porque era inviável acompanhar o aprofundamento, o amigo levou o eucalipto para se juntar à pequena floresta, ficaram as raízes, cobriu-se o buraco que estas haviam perfurado. Regressou a paz e a fluência da água àquela casa.
Um dia surgiu um rebento junto à parede exterior do terraço. Depois outro. E ainda outro. Pequenos eucaliptos. Junto às paredes. A água recomeçou a escassear ainda com mais frequência e gravidade. Chamou-se toda a gente que foi possível: radiestesistas, especialistas em feng-chui, caça-fantasmas e outros.
O conselho foi unânime: era preciso regar os eucaliptos. O regador passou a derramar generosa e democraticamente a água sobre todas as plantas vivas do terraço. O terraço ganhou sombras, a água na canalização ganhou fluidez, ele ganhou novos amigos. Vegetais.
Tem distribuído vasos de eucaliptos por toda a gente. Alguns acolhem receosamente a sua chegada com um eucalipto num vaso.
Esta história, na sua versão atípica, com inspiração algures entre Borges e Calvino, é totalmente inventada, ou quase; no entanto tem todos os condimentos para haver quem possa acreditar nela. Ou na sua possibilidade.
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