Risoleta Pinto Pedro
Comida para a Alma
Havia uma celha de lavar a roupa. Em formato redondo, com espuma lá dentro. Muita espuma branca, leve. Deliciosa. Sobre a pedra de lavar, uma pequena peça de roupa.
Havia também um cisne. O bico de pato, uma bolacha onde apetecia morder, olhos de pérola de açúcar, penas brancas, pequenas esculturas em mousse glacée.
As paredes da celha eram feitas de bolacha de baunilha, assim como a “pedra” de lavar. A espuma, feita do mesmo material das penas de pássaro, sendo que estas tinham mais açúcar, para adquirirem mais consistência e poderem ser modeladas com uma faca a fim de ficarem com o ar desfiado e aguçado das penas, A espuma de lavar era constituída por claras em castelo com um pouco de açúcar muito branco, para lhe dar leveza, cor e consistência. Modelada dentro da celha em gestos circulares, imprecisos e leves.
Quanto à peça de roupa (feminina, uma constante que retive, a minha infância era matriarcal), não me lembro, mas suponho que seria feita de maçapão com corante. Pormenores técnicos que não interessavam a uma menina mais preocupada com os sentidos e a estética.
Eram estes e outros que não recordo tão bem, os bolos escultura da vizinha de uma menina que eu fui e que recupero hoje para dentro de mim. Com o olhar repleto do doce da infância, as mãos engorduradas de ajudar com as formas, e bigodes de açúcar num rosto redondo de anjo terrestre.
A minha vizinha artesã de doces é ela mesma hoje uma obra de arte em transformação, espécie de “work in progress”, uniu-se à terra, mãe das mães, onde as mãos da grande escultora e do grande cozinheiro que tudo sabem, suavemente a modelam em amorosa parceria, na forma de uma flor, ou uma semente, talvez um cisne… a imaginação dos grandes artistas é inesgotável.
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