Risoleta Pinto Pedro
Arthur
“É muito difícil não nos apaixonarmos pelo futuro”.
Diz uma personagem da peça. Nas ruínas de Conímbriga, perante um dourado crepuscular apenas adivinhado, em alternância entre as nuvens e o céu descoberto, e progressivamente, o escurecer, o escurecido, iluminado pelas tochas.
Eu não ia lá desde menina. Só mesmo Merlin, só mesmo Arthur, só mesmo o grupo de Teatro Fatias de Cá para me chamar lá agora, em tempo de cansaço antes de férias.
É muito difícil não nos apaixonarmos pelo futuro, sobretudo se soubermos, como Merlin, o da vara de poder, que podemos desenhá-lo. Então, o presente torna-se apaixonante, quando nos sentimos assim arquitectos do tempo, e passa a ser ainda mais difícil não nos apaixonarmos pelo presente. E deixamos de correr. Porque tudo o que realmente necessitamos, já temos. Desde sempre.
O presente, no crepúsculo do espectáculo (porque não é um espectáculo de dia, não é um espectáculo de noite, é um espectáculo num tempo de passagem, transformação e saltos no escuro) foi, quando eu assisti: sol dourado a deitar-se, neblinas como brumas de Avalon, chuva leve e agradável na pele no tempo e quantidade q.b., temperatura amena, suave humidade.
No final, como de costume, os espectadores banquetearam-se com(o) os cavaleiros: sopa, javali (caçado por Arthur na floresta de Conímbriga), vinho e doce de canela.
Mas antes: assistiu-se à eterna trama de amor, guerras, paz, traições, ciúme, medo, poder, lealdade, coragem, nascimento, crescimento, morte. Com um copo de limonada na mão. Nada de novo sobre o solo, nada de novo sob o sol, e no entanto sempre tão apaixonante. Gostamos sempre de nos ver ao espelho, mesmo quando não gostamos do que vemos ao espelho.
O espaço parece ter sido criado propositadamente para cenário do drama tão humano quanto mágico: amplos espaços, amplos terraços, ruínas, enormes colunas, anfiteatros, excelente acústica. A suave brisa acaricia vestes e rostos, o espectador acompanha os actores quando a cena se desloca de cenário, senta-se quando estes representam, há até quem faça comentários, como se tivéssemos sido transportados para outro tempo em que tudo era inocente e o espectador se envolvia emocionalmente com o drama e os actores.
Não estamos perante um drama intimista, mas perante arquétipos, marionetas gigantes, bonecos do nosso tamanho representando as nossas dores e pavores vividos ou apenas pressentidos. Os reis e os magos são tão humanos como nós, os grandes também morrem, os que antes ditavam a vida e a morte no mundo ali vão agora numa padiola, desamparados, as pernas esquadrando o templo da morte, a esquerda sobre a direita.
No cimo do cenário, enterrada numa pedra, Excalibur, a espada, resplandecente de mistério.
Ela é lendária, poderosa, esquiva (apenas o melhor de todos, o rei por direito, merecerá arrancá-la ao mistério que a retém), possuidora da glória eterna, talhada para o resgate, não para a destruição,
Excalibur pertence a um grupo de armas mitológicas, tal como Gungnir era o nome dado à lança de Odin, nunca errava o alvo, ou Kusanagi-no-Tsurugi, a espada que colhe as nuvens no céu.
É a espada iluminada que salva e reabilita todas as espadas de destruição, assim mostrando novos caminhos consagrados e assim salvando a afinada espada do destino de salvação de que foi desviada.
A música acelera os sentimentos e eleva as emoções. Já no fim, seguindo os outros espectadores em direcção à ceia, deixo-me ficar para trás, afasto-me lentamente do espaço da última cena. Já a cena se desfez, mas dentro de mim ainda ouço a música, ainda vejo os actores, e olhando para trás, vejo realmente as fogueiras, as tochas acesas. A ampla natureza à volta convida-me a regressar à cena, reconstituir ou refazer o drama e a trama, apaixonada pelo passado, pelo presente e pelo futuro.
Recordo então que foi em Tomar que pela primeira vez fui apresentada às histórias de Amadis de Gaula, na senda do ciclo Arturiano, pela voz apaixonada e apaixonante da minha professora do liceu, a jovenzinha Lídia Jorge. Agora volto a mergulhar nas ruínas da história e nas brumas da memória conduzida por um grupo de teatro de Tomar até ao lugar das visitas de estudo da menina do liceu. Cumpre-se assim o meu ciclo arturiano, ou de amadis, libertando-me para novas e mais altas cavalarias e aventuras que a vida sempre nos proporciona quando estamos disponíveis e nos sentimos livres. Como o mago Merlin, como o cavaleiro rei Artur, também representado pelo seu animal de poder: o urso. Eternos visionários, e ternos inocentes. Como as crianças que nesta representação aparecem como os companheiros de Artur e arrancam dos nossos rostos às vezes já tão empedernidos pelo cepticismo, sorrisos de ternura. Por aqueles espelhos da nossa própria beleza e inocência. Ali elevados ao altar da cena.
Se não conseguir encontrar as Crónicas de Artur, de Bernard Cornwell, e quiser conhecer brevemente a História de Arthur, poderá ler uma versão simplificada nos seguintes sites, apesar de as diferentes versões não coincidirem totalmente umas com as outras, nem com a bela versão dramatúrgica de Carlos Carvalheiro. Mas a história que deve ser contada está lá toda. Porque, como alguém disse, nada do que é real pode ser ameaçado, e nada de irreal existe:
http://www.cav-templarios.hpg.ig.com.br/Arthur.htm
http://mythologya.vilabol.uol.com.br/arthur.htm
risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/
http://ijotakapa.blogspot.com
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