2008-07-23
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


A serpente desemplumada*



Helena sente-se como uma serpente.

- Sinuosa?

- Não.

- Reptilínea?

- Tão pouco.

- Então?

- É a única coisa que sabes sobre serpentes?

- Põem ovos…

- Não é o caso…

- Não???

- Estou a largar a pele.

- Ah, isso é mau? É bom?

- Depende do tempo de vista.

- Do…?

- … tempo de vista. Enquanto sai e não sai a pele velha, dói. É a dor de Saturno. Existe sempre um certo apego, mesmo que a coisa já não sirva. E é isso que faz doer, é a emoção apertada nas costuras, o sentimento que encolheu ou já é grande demais, a coisa que já não serve… mesmo que tenha sido boa, antes.

- Boa?

- Até pode ter sido boa… mas quando começa a nascer por baixo uma nova, aquela deixa de servir.

- E então?

- Hoje não sabes dizer mais nada?

- Parece-me bem…

- Já passaste por isto… conscientemente?

Fiquei (na verdade continuei) sem saber que dizer:

- Hum… suponho que sim. Cada crise, no fundo, é isso mesmo, n’est-ce-pas?

- Desde que não passes por ela como cão por vinha vindimada. Não significa que não doa… mas é uma dor boa.

- ?!

- O que arde cura. E o que se cura dura.

A conversa estava terminada. Quando entra pelos lugares comuns, Helena é insuportável… e sabe que me irrita. Para não lhe bater, bati em aparente retirada. Devagar, rastejante, ondulante, largando bocadinhos de pele dos sítios onde começa a nascer a nova. Muito mais bonita e brilhante.

…*Título em homenagem a Stig Dagerman e aos aztecas



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