Risoleta Pinto Pedro
A serpente desemplumada*
Helena sente-se como uma serpente.
- Sinuosa?
- Não.
- Reptilínea?
- Tão pouco.
- Então?
- É a única coisa que sabes sobre serpentes?
- Põem ovos…
- Não é o caso…
- Não???
- Estou a largar a pele.
- Ah, isso é mau? É bom?
- Depende do tempo de vista.
- Do…?
- … tempo de vista. Enquanto sai e não sai a pele velha, dói. É a dor de Saturno. Existe sempre um certo apego, mesmo que a coisa já não sirva. E é isso que faz doer, é a emoção apertada nas costuras, o sentimento que encolheu ou já é grande demais, a coisa que já não serve… mesmo que tenha sido boa, antes.
- Boa?
- Até pode ter sido boa… mas quando começa a nascer por baixo uma nova, aquela deixa de servir.
- E então?
- Hoje não sabes dizer mais nada?
- Parece-me bem…
- Já passaste por isto… conscientemente?
Fiquei (na verdade continuei) sem saber que dizer:
- Hum… suponho que sim. Cada crise, no fundo, é isso mesmo, n’est-ce-pas?
- Desde que não passes por ela como cão por vinha vindimada. Não significa que não doa… mas é uma dor boa.
- ?!
- O que arde cura. E o que se cura dura.
A conversa estava terminada. Quando entra pelos lugares comuns, Helena é insuportável… e sabe que me irrita. Para não lhe bater, bati em aparente retirada. Devagar, rastejante, ondulante, largando bocadinhos de pele dos sítios onde começa a nascer a nova. Muito mais bonita e brilhante.
…*Título em homenagem a Stig Dagerman e aos aztecas
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