Risoleta Pinto Pedro

No tempo da inocência (não confundir com ingenuidade, as crianças são inocentes mas não ingénuas, ao passo que os adultos, embora continuem a ser inocentes, e todos continuam a sê-lo, embora não acreditem, passam também a ser ingénuos, o que é lamentável, lamentável que não acreditem na sua inocência, lamentável que substituam a inocência pela ingenuidade, uma forma de perversidade com que se furtam à responsabilidade…), nesse tempo, ia eu a dizer, havia um grande rádio na sala (pelo menos assim me parecia, se calhar era minúsculo, tal como as escadas do liceu de Tomar me pareciam gigantescas e na hora em que lá voltei, há poucos anos, me pareceu que tinham encolhido na máquina de lavar), retomando o tema, tinha o tal rádio um pequeno óculo, uma luz verde, que me parecia um olho e eu acreditava que os músicos, os cantores e as cantoras, os locutores, estavam lá dentro e de dentro do óculo me espreitavam, sendo que a capacidade para ver, deste olho, era de sentido único, porque por mais que espreitasse eu não via ninguém, mas sabia que eles lá estavam. Sendo filha única, sentia-me muito acompanhada, nesse tempo. Hoje também, embora o meu rádio já não tenha óculo. Mas foi como se o óculo a partir de certa altura tivesse incorporado em mim e com ele uma imensa luz verde que se acende sempre que estou só e ilumina todos os seres que existem.

Vem isto a propósito dos “dias da música” no CCB de que estive impossibilitada de ir, mas que acompanhei pelo rádio, sempre. E os músicos, a música e até mesmo a felicidade das pessoas estiveram sempre comigo. Transportada pela telefonia e o óculo verde, pairei sobre o CCB durante todo o tempo, talvez até alguém me tenha visto. Ou sentido. Mesmo sem saber o que era, atribuindo a emoção à música. O que também não deixa de ser verdade. Mas provas, não tenho. Não resta aos cépticos mais do que experimentar. Se quiserem. Pode sempre adiar-se a felicidade. Mas não convém.



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