2008-04-09
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


OS EUROTOSTÕES


Diálogos de Helena e Eulália à beira-rio



Já andava há uns tempos com a dúvida, que se vinha transformando cada vez mais em suspeita. A causa da falta de generosidade das caixas de Multibanco portuguesas, que só parecem conhecer as notas de 5, 10 e 20 euros. Como se não existissem notas de 50 ou de 100.

Um dia, Eulália resolve entrar num Banco e pedir para lhe trocarem notas de vinte euros por uma de cem. Tudo bem, a coisa foi pacífica. Lá lhe deram a nota de cem. A primeira nota de cem euros da vida dela.

Comentou o caso com Helena, que primeiro até pensou tratar-se de uma fotocópia a cores, e só depois, entre muitos risos, percebeu ser um objecto real, e que mirando e remirando a nota, as estrelas, o portal com as duas colunas, as figuras dos deuses encimando cada uma delas, ficou com vontade de ter uma igual. Um dia, ia a passar por um banco (coisa que não é difícil encontrar, estes superam muito em número as lojas chinesas e as próprias notas de cem euros), resolveu entrar e pedir para lhe trocarem o dinheiro que levava, por uma nota de cem. Olharam-na com um ar estranho.

-Não temos…

Como o farmacêutico que atende um drogado e só quer que ele se vá embora depressa.

Ela ficou à espera que lhe dessem uma explicação. Com a naturalidade da pessoa que vai à farmácia e espera que lhe vendam aspirinas. Não lhe passaria pela cabeça ir à farmácia pedir para lhe trocarem notas por uma outra de cem.

- Como não têm?!

- Hoje não tempos, volte outro dia, pode ser que haja…

Estranhou aquele “pode ser” e até lhe pareceu que o funcionário olhava para um sítio algures por baixo do balcão. O alarme?!

Saiu depressa antes que o equívoco se transformasse em facto. Convencida que dera com um funcionário paranóico. Mas…

no segundo banco também não havia e só lhe faltava perguntarem-lhe para que queria a nota. O mesmo ar suspeito.

Saiu imediatamente. Entrou no terceiro banco. Todos na mesma zona da cidade, ali para os lados das Avenidas novas. Também não havia notas de cem euros. Um funcionário perguntou ao outro da caixa ao lado se tinha. Não tinha. Ela já exibia as suas notas na mão com o ar culpado de quem pretende mostrar que tem o dinheiro para a troca.

Nos tempos que correm, com a febre de zelo que raia o ridículo ou a loucura, começou a pensar que poderia estar a atrair sobre si o interesse do fisco, e embora tendo as contas em dia, sabe-se lá o que é que eles ainda vão inventar mais…

No dia seguinte entrou num outro banco numa outra zona da cidade e teve mais sorte, como Eulália. Deram-lhe a nota à primeira e sem grande estranheza.

Depois comentou com Eulália esta caso.

Pensaram se não estariam a valorizar esta coisa do dinheiro, que aprenderam de pequeninas a desvalorizar. Afinal, o dinheiro é uma arte do diabo, não lhes foi sempre dito?! E no entanto o dinheiro é inocente. Com dinheiro pode salvar-se, pode destruir-se. Ainda, e mais uma vez, quem faz a diferença é sempre o ser humano e o que ele faz com as suas maravilhosas criações. Até a energia atómica é inocente.

Foi claro para as duas que num país em que se tem de mendigar de banco em banco uma nota de cem euros, correndo o risco de se parecer suspeito, num país em que os cidadãos apenas podem imaginar ou ver em fotografias a cor do dinheiro, muito mal vai a abundância, muito mal vai o sucesso, muito mal vai a auto-estima, muito pequenino vai o país, muito salazarentas vão as finanças, muito terceiromundistas vão os bancos. É talvez apenas um eloquentíssimo caso sem importância.

Num país em que se ganham fortunas, as notas de cem
ainda
são só para alguns.



risoletapedro@netcabo.pt
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