2008-04-02
QUARTA-CRESCENTE


Risoleta Pinto Pedro


Detrás das nuvens, o sol




Helena não é psicanalista, apenas tem lido vagamente sobre o assunto. Sobre psicanálise, arquétipos, símbolos. E sabe que os psicólogos, psicanalistas e educadores se debruçam há muito tempo sobre os desenhos das crianças.

Não é psicanalista, mas tem olhos e arquétipos dentro de si que herdou desde o começo do mundo. Como qualquer ser humano. O sol é um deles.

E um dia escreveu:

“Enquanto símbolo cósmico o sol domina o culto de praticamente todas as grandes civilizações: Osíris, Mithra, Apolo, Cristo, etc.

Nos povos que possuem uma mitologia astral, ele é o símbolo do Pai.

Nos cultos solares, o sol como fonte de calor, luz e fertilidade é visto como o Senhor dos céus e Rei do mundo e teve uma influência dominante sobre todas as religiões e crenças da humanidade. Mas igualmente nos desenhos infantis, mesmo nos das crianças ocidentais, e nos sonhos dos adultos, porque corresponde à região do psiquismo dominada pela influência do Pai: a educação, a consciência, a disciplina e a moral, desde a interpretação de Durkheim limitada ao constrangimento social, à de Freud no sentido de censura, a civilização e a ética bem como tudo o que é grandioso no Ser, até à nossa própria interpretação: o calor que nos envolve, a luz que nos orienta, o amor que nos transforma. Ele é o grande e poderoso fogo alquímico.”

Por isso, quando no outro dia num jardim escola um pequenino de três anos lhe mostrou o seu desenho representando, segundo ele, um sol, onde ela apenas viu traços negros, não tendo a privação da luz a ver com ausência de lápis coloridos, porque minutos antes lhe viera pedir o amarelo “para desenhar o sol”, com alguma atenção e esforço lá conseguiu vislumbrar por detrás dos traços escuros, “as nuvens”, um ténue colorido amarelo, muito obnubilado pelas nuvens carregadas…

Ficou a pensar: que leva uma criança de três anos a ocultar o sol por trás de tão carregadas nuvens?

Helena não sabe a resposta e não lhe perguntou; mas ficou a pensar que deveríamos observar com mais atenção os desenhos das crianças, porque são os seres mais rigorosos que há no mundo. E também deveríamos observar os nossos sonhos. Porque ainda conservam o rigor que os nossos desenhos perderam.

Ficou também a pensar que no entanto, mesmo no cenário de invernia que é o céu daquele menino, o sol resplandece silenciosamente por baixo da profunda obscuridade das carregadas nuvens. A esperança existe. As crianças são seres rigorosos. Onde há esperança põem esperança. Onde há nuvem põem nuvem. Onde há sol, mesmo escondido, põem sol.



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