Risoleta Pinto Pedro
DA SABEDORIA
(Diálogos com Eulália à beira-rio)
Conta-me coisas da infância, um diálogo com a avó:
- Ó avó, o avô é um sábio?
- Sei lá, filha, passa tantas horas de noite acordado, a pensar, a pensar…
A menina Eulália passou a associar o pensar muito à ideia de sabedoria. O avô era um sábio. Pensava de noite. Não tinha terrores nocturnos, não espreitava para debaixo da cama. Deitava-se e pensava.
De dia era um homem de muita acção.
Ela, a menina, pensava de dia nos terrores da noite.
Mas gostaria de ser como o avô. De dia muita acção, à noite um sábio deitado de olhos abertos a pensar, a pensar, indiferente aos monstros debaixo da cama. Fazia um esforço para ficar acordada no escuro muitas horas a pensar, a pensar, mas ao fim de alguns minutos a pensar que tinha de lutar contra a necessidade de ir espreitar para debaixo da cama, acabava por adormecer, o sono levava-a e abençoava-a roubando-a aos braços do medo do papão.
Hoje Eulália é uma mulher de muita acção, como o avô. Mas à noite, por mais que se esforce, e ainda que já não haja monstros debaixo da cama, o sono leva-a para os sonhos antes sequer que consiga esboçar o mais leve esboço de pensamento. Razão pela qual continua a aguardar pela tardia sabedoria.
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