2008-02-27
QUARTA-CRESCENTE

Risoleta Pinto Pedro


DA SABEDORIA

(Diálogos com Eulália à beira-rio)

Conta-me coisas da infância, um diálogo com a avó:

- Ó avó, o avô é um sábio?

- Sei lá, filha, passa tantas horas de noite acordado, a pensar, a pensar… A menina Eulália passou a associar o pensar muito à ideia de sabedoria. O avô era um sábio. Pensava de noite. Não tinha terrores nocturnos, não espreitava para debaixo da cama. Deitava-se e pensava.

De dia era um homem de muita acção.

Ela, a menina, pensava de dia nos terrores da noite.

Mas gostaria de ser como o avô. De dia muita acção, à noite um sábio deitado de olhos abertos a pensar, a pensar, indiferente aos monstros debaixo da cama. Fazia um esforço para ficar acordada no escuro muitas horas a pensar, a pensar, mas ao fim de alguns minutos a pensar que tinha de lutar contra a necessidade de ir espreitar para debaixo da cama, acabava por adormecer, o sono levava-a e abençoava-a roubando-a aos braços do medo do papão. Hoje Eulália é uma mulher de muita acção, como o avô. Mas à noite, por mais que se esforce, e ainda que já não haja monstros debaixo da cama, o sono leva-a para os sonhos antes sequer que consiga esboçar o mais leve esboço de pensamento. Razão pela qual continua a aguardar pela tardia sabedoria.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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