Risoleta Pinto Pedro

(Conversas com Vicente à beira-rio)

É assim que acorda frequentemente: em godé de aguarelas. E formas.

Uma vez, uma voz disse-lhe num sonho que se pusesse “com a cabeça no azul”. No sonho, isto que não sabe se era uma ordem, um facto, um conselho, um pedido ou uma sugestão, fez-lhe todo o sentido, como se lhe tivessem dito para se sentar em tal cadeira ou experimentar tal perfume, ou ler tal livro.

Colocar-se com a cabeça no azul foi no sonho uma forma que na altura sentiu como criptada de o mandarem para um sítio… bom. Mas o problema dos sonhos é que depois acorda-se, e quando se acorda já se está noutro mundo, que não é um mundo em que se ponha a cabeça dentro das cores; mais facilmente sabemos pôr a cabeça dentro das dores do que dentro das cores, por isso ao acordar ainda lhe fazia sentido pôr a cabeça no azul, embora já sentisse um problema técnico acerca do “como”, porque lhe parecia que não devia ter nada a ver com madeixas ou dessas coisas da decoração humana, mas também não sabia bem como fazer. Com o passar do tempo a questão deixou de ser meramente técnica, mas era o próprio sentido da coisa que lhe escapava. Quem e a que propósito e com que fim lhe teriam mandado meter a cabeça no azul sem lhe deixarem um manual de instruções com, pelo menos, o como?! Ainda hoje anda às voltas com esta ordem do seu sonho. Ou desejo? Ou conselho? Ou sugestão?

Lembra-se de outras cores em outros sonhos: um céu cinzento, um galo de penas douradas e vermelhas, uma túnica violeta…

Não lhe colocaram nenhum tipo de problema. Mas a cabeça no azul…

Na impossibilidade de resolver o enigma, cada vez mais distante, cada vez mais esbatido, cada vez mais indefinido o azul, dedicou então o resto da sua ainda longa vida a ser feliz. Foi então que se lhe abriram as portas do céu. E eram… azuis. Mas isso foi noutro sonho.

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