Risoleta Pinto Pedro
GLÓRIA E GATOS
Helena tem um pendor moralista que não sei de onde lhe vem, mas que me tem sido muito útil como espelho, para saber e conter… o meu.
Hoje fala-me de naturalidade, serenidade, humildade, num tom equívoco onde não encontro estas qualidades, mas quem sabe se o defeito não será de mim…
Pergunto-lhe.
- E quando te acontece uma coisa realmente boa, excitante, em que todos ficam aguados de admiração por ti, e tu mesma por ti, e te parece que a partir daí só a glória, e que antes desse dia só glória houve e uns pormenores sem importância, e que nunca mais vais ter de te preocupar nem com merecimento, nem com sentimentos de falta de segurança, nem com solidão, nem com ausência de estima, nem nada desses complexos…
- Onde é que queres chegar?
- Mesmo assim consegues manter-te serena, natural e humilde?!
- É tão fácil…
- Fácil?! Helena, não brinques comigo! Qual é o teu truque?
- Não é truque, é assim como tem de ser.
- Queres convencer-me que no momento em que recebeste um prémio, publicaste uma obra, foste aplaudida, tiveste ali todos os amigos e conhecidos e desconhecidos a olhar-te com admiração… não sentiste nada?!
- Senti, claro que senti!
- Ah!
Exclamei., vitoriosa.
- Senti-me agradecida e também senti que não podia esquecer-me de comprar comida para os gatos e que tinha de mudar a areia do caixote dos gatos… não há orgulho, nem vaidade, nem nenhum sentimento falso que resista perante a necessidade diária de limpar o caixote dos gatos. Experimenta.
Desta vez fui-me embora com o rabo entre as pernas, silenciosa como… um gato.
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