“É como se o meu coração profundo conhecesse todos os horrores que existem no mundo.”


Estávamos a falar do mal: egoísmo, orgulho, arrogância, isto, no meu entender.

Helena dizia que estes males são já, por si sós, ilusórios derivados de algo que não existe. Ao que eu argumentava que uma coisa que não existe não pode ter derivados.

E ela, com uma suprema lata:

- Exactamente!

- Nesse caso estás a sugerir que estamos a falar de algo que não existe?!

- Ora nem mais!

E perante a minha indignação, saltou-lhe a veia discursiva:


- É como se o meu coração profundo conhecesse todos os horrores que existem no mundo… É como se tivesse passado por todas as tragédias, cometido todos os crimes, engendrado todas as tramas e mentiras, sofrido e imaginado todos os terrores, infligido e vivido todas as torturas, provocado todas as mortes, desprezado todas as vidas, saboreado todas as vinganças.

- Ah! Afinal, admites!...

- É como se o meu coração do mundo tivesse vivido todos os sagrados mistérios, salvo todos os tristes, elevado todos os afundados, saboreado todas as doces vitórias sem derrotados…

- Em que ficamos, Helena? - Como?!

- Decide-te, vá lá, ou uma coisa, ou outra.

- O quê, o mal ou o bem?

- Claro, a ver se nos entendemos!

- Mas não vês que não é possível separar? Fico sem nada. Fico com tudo.

- Tudo isso num tão pequeno coração, Helena?!

- Tudo isto e tudo o que eu não consigo ainda imaginar: muito mais fundo, muito mais alto, muito mais irradiante e farto.


Nisto, elevou-se e voou. Por momentos, deixei de a ver. Quando aterrou continuou a beber o chá de menta como se nada tivesse acontecido. Acabei o meu café, despedi-me e saí. Pareceu-me que me olhava estranhamente, senti uma tontura, mas certamente foi efeito do café que não estou habituada a tomar. Uma noite bem dormida e volta tudo ao normal.

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