Risoleta Pinto Pedro
Narrativa de um sonho: O HOMEM DE VITRÚVIO
Firmitas, utilitas, venustas.
Estabilidade, utilidade e beleza.
O sonhador encontra-se no patamar de uma escadaria. Para cima dez degraus. Para baixo outros dez. Ri-se, porque vê o infinito, porque é reconfortante saber que, quer suba, quer desça, tem no cimo, como em baixo, um ser de flutuante e doce colo. O mesmo, ou dois do mesmo, ou o mesmo de dois. Aprende este ser a descer, após o que repousa em suaves (a)braços. Mas não termina ainda aqui a viagem.
Este homem, que já foi caracol enrolado sobre si mesmo, que já foi animal aniquilado pela gravidade, que já sentiu no corpo a perfuração do metal entrando pelo chacra de raiz, que já sentiu espalhar-se no corpo o rodopiar da agressiva espada, que já sentiu na pele a repugnante humidade do molusco, estica-se infinitamente em todos os sentidos prolongando as linhas que no seu centro (porque tem um centro) se cruzam. Agora, a escadaria multiplica-se em todas as direcções e em cada câmara, a que os degraus conduzem, está um anjo. Assim como em baixo, assim em cima, assim como ao norte, assim ao sul, assim como ao oriente, assim ao ocidente e nos milimétricos pontos intermédios. São suaves e flexíveis os músculos, firmes e estáveis os ossos, fortes e rápidos os tendões, seguro e líquido o sangue. Roda dentro de um círculo de luminosa linfa. Este homem, que também pode ser mulher, ninfa, menino, menina ou um anjo, roda dentro de uma bolha de luz azul, dourada e violeta, prolonga os braços, as pernas e a cabeça em linhas infinitas com que impulsiona o movimento do círculo. Primeiro, gira no ventre que, pela estranheza, não reconhece como ventre, mas templo de bem-aventurança, finalmente temperado, finalmente suave, finalmente acolhedor, finalmente aberto, finalmente livre, depois o ventre já é cosmos, finalmente próximo, finalmente casa, finalmente fiável, finalmente atraente, finalmente seguro, finalmente aventura, e agora já é canal de luz por onde suave o círculo desliza e já nasceu. E se distendeu. Sem dor. Em esplendor. A primeira viagem terminou. Anuncia o venerável ser que a segunda começou.
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