2006-11-22
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


QUANDO NASCI ELE AINDA ERA VIVO       



Isso enche-me de uma profunda emoção por saber que vivemos alguns anos sobre o mesmo planeta, ainda que separados por uns milhares de quilómetros, ele um velho sábio alquimista da dor e da perplexidade, eu uma pequena semente ainda sem saber que fazer com a confusão e a perplexidade. Mas pisámos a mesma terra, respirámos o mesmo ar; ele já tinha a fórmula para a poção que um dia eu iria beber, eu não imaginava que um dia iria beber um poção. Julgava-me sem fé. Quando ele morreu ficaram os livros e os seguidores de que apenas tive conhecimento há não muito mais que uma década. Nunca o encontrei nas minhas bibliotecas de menina, e se o encontro se tivesse dado, o encontro não se teria dado, porque eu não estaria preparada para o compreender porque teria de consultar ainda muitos erros para isso poder acontecer.

Agora que já cometi muitos erros, abro os livros dele e os erros iluminam-me a escrita e o pensamento, e estes iluminam-me o corpo e a alma. Entretanto, outros se seguiram, outros o tinham antecedido a preparar o caminho, outros se seguirão; outros erros, outros livros, o mesmo mestre: eu. Mas ainda ele: mesmo depois de morto ele lê em mim sem nunca ter suspeitado de mim. Ainda assim explica-me uma parte de mim a mim mesma. E pacifica-me. Mostra-me como sou apenas… um ser humano, igual a todos os outros. Devolvendo-me à minha insignificância devolve-me a paz. Chama-se Carl Gustav Yung, nasceu e viveu na Suíça, começou por ser discípulo de Freud, esse outro padrão do pensamento, minha primeira chave para a minha primeira porta dos sonhos, mas Yung voou (e fez-me voar) mais longe, mais alto, mais fundo. Freud não gostou muito, nem sempre o pai gosta de ver o filho elevar-se, mas mesmo assim o pássaro voou e tanto sol trouxe ao planeta que iluminou as almas e as mostrou na sua imensa e gloriosa miséria e nudez. Respirámos o mesmo ar durante alguns anos. Isso emociona-me tanto (mais?) como ter assistido ao primeiro passo de Armstrong sobre a lua. Isso emociona-me tanto como imaginar a Lua de que parti antes de aqui alunar.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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