Risoleta Pinto Pedro
A LINGUAGEM DOS PÁSSAROS
[…]
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas […]
Ode Triunfal, Álvaro de Campos
Eu pensava que o pássaro tinha sentido musical, possuía sentido de discriminação estética, até ao dia em que percebi que o entusiasmo com que cantava cada vez que me ouvia tocar Bach ou Satie não era inferior àquele com que acompanhava o som da máquina de lavar...
Primeiro sofri decepção, a minha fé na natureza, na infinita, comovente e transcendente musicalidade dos pássaros ou na maravilhosa sintonia de gosto, pelo menos com o meu pássaro, tinha levantado voo, desaparecera no movimento de rotação do tambor da máquina. Depois passei eu a concentrar-me no maravilhoso ritmo da máquina, regressei a Álvaro de Campos e compreendi. Afinal, quem estava desfasada era eu. O pássaro encontrava-se em sintonia com o heterónimo engenheiro, eu estava alienada na mítica natureza em vias de desaparecimento, de Caeiro. Salvou-me Ricardo Reis e a sua atávica capacidade de relativização da nossa irritante humanidade. O som mais belo, mais belo que o das minhas desajeitadas teclas ou da rotativa máquina, é mesmo o do canto do meu periquito, digo, a linguagem dos pássaros.
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