Risoleta Pinto Pedro
Conversas com Helena à beira-rio
“A plácida face anónima de um morto. “
Álvaro de Campos
- Foi nas notícias já não sei em que canal…
Helena está num estado de espírito entre divertida e irritada.
Não é uma purista da língua, tem consciência que a evolução se caracteriza por desvios em cima de desvios, mas há limites. Esclarecia:
- A locutora noticiava a morte de alguém, e rematava, à laia de conclusão e preparação para a próxima notícia: “Muito bem!”.
É claro que não teve consciência do que estava a dizer, mas o problema está justamente aí. Se assumimos que somos máquinas, então ponham computadores a dar as notícias, não precisam de pôr lá pessoas. Aposto que nem uma máquina, se bem programada, cometeria este erro tão grosseiro.
Isto tem também a ver com um spot que um dos canais passava recentemente, e em que era dito por uns apresentadores, como sendo o supra-sumo da informação: “Não importa o que pensamos nem o que estamos a sentir”.
É claro que ninguém está à espera que os apresentadores se ponham a exprimir as suas opiniões a torto e a direito ou que façam do telejornal uma sessão de psicoterapia ou de confissão pública, mas importa, claro que importa, o que pensam e o que sentem. Importa, sobretudo, que pensem e que sintam. Para não acontecer a rotina em que na notícia se dê uma informação sobre a morte de alguém rematando com “muito bem”. Eu sei que num contexto em que os mortos são às dezenas e por vezes às centenas, uma unidade pode parecer um facto sem valor, mas uma morte é sempre uma morte e quando alguém morre, ainda que não o conheçamos, ainda que não o saibamos, uma parte de nós também morre, como também nascemos com cada bebé que vem ao mundo. Assinalemos ao menos esse luto por nós, ainda que estejamos viciados em números. Ainda que tenhamos passado para lá da overdose…
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