Risoleta Pinto Pedro
DE MARCA
Av. Duque de Loulé, paragem do 12. Estou à espera do autocarro que me há-de levar até casa. Uma mulher ao meu lado espera, como eu. Aproxima-se um carro da nossa provisória paragem; não percebo nada de carros, nem de marcas, nem me esforço, mas até eu consigo perceber que é um carro caro. O homem que sai de lá a falar sozinho, perdão, vem a falar ao tm daqueles que não é preciso segurar e quase não se vê o fio, estaciona ali de qualquer maneira e entrega a chave a um porteiro que entretanto saiu de não sei onde ali mesmo ao lado. O porteiro vai estacionar melhor o carro, o homem, de marca, como o carro, não percebo nada de homens de marca, mas vê-se que é um homem de marca, percebe-se, desde o fato, ao telemóvel, ao perfume, à chave, ao porteiro, à pose, ao ar, aos eteceteras todos, é um homem de marca, deixa carro e chave com o porteiro e entra com ar de dono. Nada de especial. Para mim é só um homem de marca que acaba de deixar a um porteiro de marca uma chave de marca de um carro de marca mal arrumado. Para mim, o assunto está arrumado. Vasculho o horizonte em busca do doze. Que ainda não vem. Ao meu lado a mulher, que afinal é uma brasileira, rosna com aquele delicioso sotaque dos brasileiros, qualquer coisa pelo meio do que percebi a palavra “dinheiro”. Falava para mim à procura de aprovação, mas eu não estava a perceber nada, para além da evidência: acabáramos de assistir a uma manifestação do mais primário poder do dinheiro. Para mim, ponto final, nada de interesse. Mas não para ela, que disse qualquer coisa como ” … quem tem assim dinheiro pode ter as mulheres que quer”. Devo ter feito um ar céptico, porque ela insistiu:
- Destas, claro.
- Destas?!
Enfim, ao fim de umas frases de quiproquós para lá e para cá lá percebi que a paragem era mesmo ao lado de um bar de tipo alterne, coisa de luxo, onde, segundo esta brasileira, as raparigas têm “pernas longas e lisas” (palavras textuais, esta não podia esquecer!...) e se vendem. Espreitei melhor para o lado e confirmei o que a minha habitual distracção não me permitira ver.
Continuou o discurso, esta mulher que se zangou com os homens depois de um casamento de maus-tratos e em cujo corpo e vestir se vê a desistência que ela própria verbalizou. E continuou a informar-me a mim dos preços das bebidas, etc. Não sei onde foi buscar a informação, mas parecia bem informada. Continuou comparando o preço que ali se paga por um whisky com o preço da garrafa que se compra nas lojas. E perante o meu ar de desconhecimento:
- A senhora não tem whisky em casa?
- Não, detesto whisky, sabe-me a remédios…
- Nem para as visitas?!
Perante a indignação e espanto comecei a pensar que mal tenho tratado as minhas visitas, a sumos e licor de poejo, quando do lado saiu novamente o tal de marca. Foi uma sorte porque desviou de mim a indignação dela. Para ele:
- Quem ganha não são elas, nem estes que saem daqui depenados, é quem monta o negócio. Verdade que a senhora não sabe quanto custa uma garrafa de whisky?
Felizmente chegava o autocarro, o dela, e lá entrou. Antes de o carro arrancar, ainda me olhou com espanto, perante este país de perdição onde as pessoas ou pagam fortunas por um copo de whisky ou são tão miseráveis que não têm uma garrafa em casa para oferecer aos amigos. Vinha lá o 12. Deixei-o passar e entrei numa loja ali em frente a comprar uma garrafa de whisky. Voltei para a minha paragem. Ao pé de mim parou mais um carro de marca, com um homem de marca, saiu da porta um porteiro de marca e eu entrei no 12, arrependida com a garrafa de whisky que comprara e a pensar em quantas garrafas de licor de poejo tinha podido comprar pelo mesmo preço.
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