Risoleta Pinto Pedro
O GALO
Estava eu no meu terraço, onde se ouvem pássaros e rolas. Reais. A certa altura ouvi um galo e pensei: “ Há quanto tempo não ouvia um galo a cantar?”. E depois pensei: “Mas os galos, dantes, não costumavam cantar a esta hora…”.
Estou habituada a que no meu terraço, no coração de Lisboa, se ouçam gaivotas, como sinal de mau tempo no mar, e pássaros e rolas, como sinal de bom tempo em terra. Isto aqui é uma pequena aldeia. Ainda não tenho wireless no terraço, porque o meu pequeno jardim de vasos não foi considerado pela câmara como jardim municipal, e injustamente, porque tem acolhido às vezes mais gente que muitos jardins municipais quase abandonados que eu conheço. Mas adiante e resumindo: ouvem-se pássaros, rolas, gaivotas, os aviões passam ao largo, ouvem-se ao longe os sinos da Igreja da Graça e de S. Vicente, os comboios de Santa Apolónia e as sirenes dos cacilheiros, um ou outro helicóptero, às vezes, uma grua muito alta que agora por aqui tem andado por causa da construção de um prédio perto, e por aqui se fica o trânsito sonoro e aéreo do meu terraço.
Não é muito normal ouvir galos neste terraço. Muito menos a meio do dia.
Dantes, um galo a cantar era apenas um galo a cantar. Agora, um galo a cantar ou uma criança a rir, podem ser um telemóvel a tocar ou um sms a chegar.
E deve ter sido isso. Porque, apesar da impressionante semelhança e verosimilhança, aquele canto desgarrado e único a meio da tarde não deve ter sido outra coisa senão um telemóvel a tocar. O facto de não se ter voltado a ouvir o canto não significa que tenha sido transformado em canja, mas apenas que o possuidor do telemóvel não voltou a passar por aqui. Ou mudou o toque.
E deixou-me um lastro de saudades do canto dos galos da minha infância. Pensando bem, acho que vou mudar o toque do meu telemóvel.
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