Risoleta Pinto Pedro
Uma história da Grécia
No museu havia (e há, e há, felizmente…) um director, uma conservadora, um espaço. Não havia dinheiro, vai sendo o costume por todo o lado (contudo, para algum lado ele irá, que eu saiba, a terra não está rota…), infelizmente. Havia entusiasmo e amor por uma ideia. Fora do museu havia um coleccionador, umas pessoas que tinham dedicado a sua vida a estudar um determinado assunto, sendo, uma delas, uma das vozes mundiais ouvidas com atenção sempre que é preciso fazer-se ouvir uma voz. Houve também uma jovem designer. Provavelmente estou a omitir alguns protagonistas, algumas personagens, não sou uma contadora exemplar.
Da Grécia conheço sobretudo o alfabeto, um ou outro texto que me ficou de memória de quando estudei um pouco de grego, e os reflexos que esta cultura vem projectando em nós desde que o contacto se deu, até hoje. E conheço o que toda a gente conhece. Algo da mitologia, arte, filosofia, política, da forma como toda a gente conhece, com um pouco mais de ênfase nos aspectos literários, e estéticos em termos muito gerais.
Pelas palavras vivas de Agostinho da Silva fui ficando mais atenta a esta cultura viva. Um dia deparei-me com as bailarinas de Tanagra, umas pequenas figuras em terracota pelas quais me apaixonei e sobre as quais encontrei muito pouca informação. Mas ficaram comigo desde então, e a intenção de vir a conhecê-las melhor.
Sobre vasos gregos sei muito pouco, mas quis o destino, sob a forma de uma destas pessoas, que eu tivesse o indescritível privilégio de, no Museu Nacional de Arqueologia, ali aos Jerónimos, ser conduzida através dos vasos e com eles recuar a um passado que sem dúvida é meu, que sem dúvida é nosso, é uma parte do barro com que somos hoje feitos, o sopro que nos anima, e neles reconhecer mais vivas que nunca as figuras da mitologia que é mais nossa há muito mais tempo do que a mitologia cristã, e cenas dos Jogos e episódios do quotidiano.
E foi reconfortante saber e ver que os gregos já assinavam as suas peças, que a noção de autor não é uma criação egoica que se tivesse seguido ao anonimato das oficinas medievais, mas que estas sim, são uma interrupção pontual na prática de identificação e assinatura de quem criou, o que é consolador para quem, de vez em quando, põe em causa a noção de apropriação de uma obra que nunca sabe garantir que lhe pertence, pela forma às vezes demasiado misteriosa da manifestação.
Foi interessante ver como os gregos, séculos e séculos antes de se imaginar a existência da fotografia, pintaram seguindo o percurso da câmara escura. Sobre os vasos onde durante séculos pintaram a preto sobre fundo vermelho, no século seguinte (que não sei precisar, fiquei demasiado em estado de epifania com a revelação) já pintavam a vermelho sobre fundo preto. Ora, um século, nesse período em que tal aconteceu, tinha o mesmo valor de tempo que o tempo de hoje abrir um e-mail. Talvez eu esteja a exagerar um pouco, mas é o exagero que fornece a medida do meu espanto.
É sempre pura emoção depararmo-nos com o misterioso salto quântico da evolução. É uma emoção visitar esta exposição. Que vai estar apenas até 9 de Setembro. Quero lá voltar. Para olhar os mitos, rever os arquétipos, deliciar-me com a emoção estética que algumas figuras proporcionam e relembrar o passado, tão oculto nos ossos que é preciso procurá-lo no barro.
risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/
|