Risoleta Pinto Pedro
Uma auto-estrada para respirar
Não é difícil de imaginar. Toda a gente sabe o que é uma auto-estrada. Algumas são responsáveis pela destruição de muitas árvores, digo quem as mandou construir, digo quem deixou, digo nós todos, que as utilizamos. Algumas têm no meio, de vez em quando, uns arbustozitos que lá vão dando umas flores, nem sei como. Algumas têm uma protecção lateral para resguardar um pouco os aglomerados populacionais.
No ocidente, nos países ditos desenvolvidos, uns mais outros menos, e não vamos agora investigar o que é isso, que perdia-se muito tempo, e de que espantosamente vamos fazendo parte, já se começa a pôr em causa os efeitos dos carros, dos combustíveis, da poluição, o problema do ozono; começa-se a falar e timidamente a experimentar energias alternativas, o uso mais restritivo do automóvel pessoal, etc, sem se denominar de loucos os que falam disso. Mas ninguém se atreve a propor aos países cujas populações começaram agora a descobrir as “maravilhas da civilização”, que não comprem carros, que não andem de automóvel, que não construam auto-estradas, que regressem ao estilo dos mormons americanos… não temos coragem desse atrevimento, na vertigem das nossas auto-estradas… nós que já experimentámos o doce sabor do veneno, não temos coragem nem moral para propor aos outros que passem ao lado da nossa auto-estrada, por um carreiro. Faz sentido.
Mas vejam o que fizeram na China: numa distância de cerca de 400 km entre Pequim e Nanquim plantaram, lateralmente a toda a extensão da auto-estrada, não uma fileira de árvores de cada lado, mas várias fileiras: 4 ou 5 árvores, uma auto-estrada de oxigénio da largura do betão, que imediatamente recicla a poluição criada. O efeito é extraordinário e quase comovente: imagine-se a percorrer uma extensão de 400 km ladeado de várias fileiras de árvores, de um lado e de outro, como uma guarda de honra verde, silenciosa, benéfica, pacífica e transformadora. Da mesma largura das faixas de rodagem. Aqui estão os modestos benfeitores da humanidade. Não recebem medalhas nem condecorações, não se põem em bicos dos pés, não protestam. Respiram, respiram-nos, respiram por nós, para nós. E quando não são estupidamente abatidas, morrem digna e heroicamente. De pé. E sem que nos apercebamos, também nós. Com elas. Mas caídos, curvados. Tão curvados pelos fardos das preocupações, competições, razões e soluções que nem nos apercebemos dessa nossa outra morte.
Nunca me senti especialmente tentada a visitar a China, mas por uma auto-estrada de árvores, uma espécie de Amazónia civilizada traçada a régua, já configuraria a possibilidade de me meter num avião durante uma eternidade de horas. Uma auto-estrada amazónica Lisboa Porto, precisa-se urgentemente. Please, senhores ministros. Troco o TGV, o choque tecnológico e os outros choques eléctricos todos que já apanhei com os senhores e os que já desconfiamos que aí vêm, troco o novo aeroporto e todas as surpresas que nos reservam, por umas centenas de quilómetros de árvores. Não é pedir muito, pois não?! Para uma árvore, basta uma semente! Somente!
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