Risoleta Pinto Pedro
PATRÍCIA E O MÉTODO
Alexander. Não é uma terapia. É um método. Disse bem, Uma forma de encontro. Do si consigo. Fui ouvir a Patrícia Gavinho falar sobre o método Alexander na Galeria Matos Ferreira. Foi convincente. Não pelo que disse, ou não só pelo que disse. É-se convincente quando não se tenta convencer. Quando se fala, não daquilo que sabemos, mas daquilo em que nos tornámos. Patrícia foi o método. Mostrou-se como é. Encontrou-se ali consigo e com o que de melhor cada um de nós é: a escuta, o silêncio, a música interior, o ritmo invisível do corpo, a secreta vibração das células, a luz.
Patrícia Gavinho começou pela música. Estudou piano com Sequeira Costa, nos Estados Unidos. Estudou canto, continua a cantar. Já quase não toca, mas quando o faz fá-lo maravilhosamente. Agora, trabalha as dores dos músicos, ajuda-os a perceber onde esconderam as emoções. Ajoelhou-se no chão da Galeria Matos Ferreira junto a uma voluntária do público, que se ofereceu para uma demonstração do método Alexander.
As mãos dela quase não tocaram, o método não é massagem, é apenas uma forma de ajudar a tomar consciência. Não manipulou, não impôs. Apenas indicou, delicadamente, quase sem aflorar, mostrou os pontos onde normalmente nos contraímos e nos contrariamos. A coluna que nos eleva é a que nos submete. À gravidade. Pelo peso. Patrícia mostrou que o método de relacionamento connosco é o da atenção, o do respeitoso silêncio e escuta da verdade do corpo. “Ouvir” as tensões é o suficiente para, naturalmente, gradualmente, harmonizar. E crescer. Literalmente. Falo de milímetros, de centímetros. Alongamo-nos quando respiramos, quando nos respeitamos, quando nos “ouvimos”, quando nos vemos por dentro, quando tocamos a música do repouso das vértebras dentro de nós. Somos naturalmente maiores e melhores. O corpo agradece e a alma também, quando o espírito resplandece em nós. O fulgor do espírito não é nenhum misterioso nevoeiro esotérico. É só uma coluna feliz. Sentir, ouvir, alongar, crescer. O que nos habita, o que naturalmente somos. É pelo corpo que brilha o espírito. É pelo silêncio que somos estar. É pelo aceitar que somos amar.
Patrícia saiu do país para estudar música. A certa altura, começou a observar os músicos nas orquestras e as doenças: tendinites, tensões, dores, mal-estar.
Encontrou então Alexander, o método. Experimentou-o no seu próprio corpo, como pianista, como cantora, como ser humano, melhorou o corpo, a alma, e brilhou o espírito.
Agora, fala tranquilamente do que é e mostra-se suave, discreta e gloriosamente como se construiu. Sem querer vencer, convenceu com a cintilante verdade em que se tornou.
O método Alexander não intervém, não interfere. Apenas mostra, aponta, sugere. Quem estava lá na Galeria compreendeu que é na coluna que se trata a alma, é pelo alinhamento das vértebras que se trata a mente, porque o corpo, na saúde ou na doença, é muito eloquente.
Gostaria que todos tivessem ido ouvi-la. Mas isso é devido à minha falta de fé. Mais cedo ou mais tarde (o que é uma falácia, porque nunca é cedo, porque nunca é tarde) cada um encontra-se com aquilo que já sabe. Com o seu método. O de Patrícia chama-se Alexander. E tem ajudado muita gente a “ser”. O segredo para ser é não reter.
Ouvi-la é assistir, deixando-se contagiar, a uma experiência de vivência.
Ficou-se a saber que a dor do braço pode decorrer do esquecimento de que temos ossos no “rabo” onde nos apoiarmos. A dor das periferias vem, certamente, do esquecimento de que temos centro. As várias dores dos corpos do mundo vêm do esquecimento das costas, do rabo e dos pés. Assumimo-nos como anjos, sem costas, e portamo-nos como diabos, com cauda e sem rabo, sem pés e com cascos.
Quando cheguei a casa, a minha filha, que estudava para um exame de biologia, perguntou-me com o maior descaramento do mundo como só os filhos ousam perguntar coisas, como se os pais tivessem a obrigação de saber responder às mais variadas coisas, se nos tornámos bípedes como consequência do crescimento do cérebro ou se foi o contrário. Assim se completou, em estilo zen, o ensinamento do dia.
Não sei a resposta, na minha opinião é uma história parecida com a do ovo e da galinha, mas os cientistas dizem que o cérebro cresceu por nos termos tornado bípedes. Agora somos bípedes, temos um cérebro maior, mas esquecemo-nos de que temos pés, passámos a ter apenas sapatos. Porque nos esquecemos dos pés, a coluna sofre até à última vértebra, que comprime a base do cérebro. Sabermos disto e tomarmos contacto com este desalinhamento no nosso corpo, é percebermos os desalinhamentos emocionais que lhe deram origem. Tornámo-nos bípedes e nem com o crescimento do cérebro nos tornámos mais atentos a nós mesmos. A continuarmos assim, qualquer dia o cérebro diminui. E lá voltamos às quatro patas. A alternativa é tornarmo-nos livres, libertarmos o cérebro da pressão da coluna, tomarmos contacto com as emoções para libertarmos os sentimentos, delas prisioneiros. Só depois conheceremos o alívio. Há quem lhe chame amor. Há quem lhe chame saúde. Há quem lhe chame liberdade. Tanto faz. A sensação é de um profundo bem-estar.
Aqui fica o que se conseguiu contar. Mas o importante aconteceu dentro de cada um que lá estava, porque cada um já sabia, embora não o soubesse, porque é impossível dizê-lo. Mas certamente isso vai fazer-se sentir no mundo. Assim o mundo, mudamente, vai mudando.
A primeira vez que vi a Patrícia foi no Jardim da Estrela. No dia da conferência, depois de a ouvir, fui a correr pelo Bairro Alto abaixo para apanhar o último eléctrico. Que saíra da Estrela às onze e vinte. Por 2 ou 3 minutos perdi-o. Vim de táxi. Há todo o tempo do mundo, mas já não há tempo para perder tempo a correr atrás dos eléctricos que já passaram. Porque não há o último eléctrico. Hoje já passaram imensos e amanhã vão passar mais. O táxi trouxe-me a casa rodopiando em torno da Sé, como uma serpente espiralando em torno de uma sólida coluna, a distender, a soltar, a erguer, a libertar.
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