2007-05-30
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


RESPIRAR - Parte I

“…a angústia respiratória é a angústia fundamental…”

Li isto já não sei onde, o autor (ou a autora) que me perdoe o uso e provavelmente o abuso, porque quando me ponho a pensar sobre um assunto nunca sei onde vou parar, e a especulação pode assumir excessos escandalosos. Digo eu.

Mas sobre a angústia respiratória. Um dia dei comigo a respirar. È uma coisa que não acontece muitas vezes. Não digo respirar, refiro-me ao dar comigo a respirar. Quando respiro não penso. Mas o contrário já não é verdade. Porque se fosse verdade que quando penso não respiro, já não poderia estar aqui nestas escritas. Tenho pensado muito, logo, tenho respirado muito.

A questão onde quero chegar tem a ver com a primeira vez em que tomei consciência da “obrigatoriedade” do respirar. E pensei: se eu quiser descansar um bocadinho, parar um bocadinho com esta incessante maré de ar a entrar e a sair, não posso!

Não calculam a angústia que foi ter chegado a esta conclusão. Foi como se de repente deixasse de ser aquele ser livre que às vezes me apetece acreditar que sou. Se não posso não respirar, onde é que está a minha liberdade?! Pensei eu. Por outro lado, pensava também que é demasiado frágil este fluxo e refluxo que nos mantém vivos. Estamos presos por um fio de ar… condenados a respirar!

Mas ao mesmo tempo, o que significa tal condenação? Dispus-me a pensar sobre o assunto, digo, a respirar sobre o assunto. Entrei em mim e fui com o ar fresco até aos pulmões e mergulhei no bem-estar e entusiasmo dos alvéolos, os sorrisos de agradecimento… olhei para trás a ver se alguém a quem se dirigia o sorriso me seguia, mas… ninguém! Era mesmo a mim! Esperei um pouco e observei, quando o ar saiu, um tranquilo relaxamento, um adormecimento momentâneo, como um repouso. E repousei. Nova inspiração, novos sorrisos agradecidos e como não me senti merecedora deles, resolvi sair com a expiração. Aproveitei o impulso do ar e vagueei pelas redondezas; que encontrei cá fora? Um mundo deslumbrante de beleza. Não sei quem criou isto, não sei em que revista ou pintura se inspirou, mas é mesmo muito belo. Sem dúvida um achado de criatividade e arte e perfeição da técnica. Senti no centro do meu peito um suave ondular, adivinhei lá dentro o sorriso dos alvéolos, a sesta das células, aprofundei o ar em mim e deixei-o sair com suavidade, observando-o, agradecida. Transmiti-lhe o “obrigado” do meu corpo e pedi-lhe que no voo deixasse onde achasse conveniente, este agradecimento. Desde aí nunca mais me esqueci de respirar nem de pensar em respirar nem de agradecer de respirar nem de sorrir para dentro, a agradecer o sorriso. E o ar. risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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