2007-04-25
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


Os campos têm-se enchido de camomilas…

… brancas e amarelas, comemorou-se o aniversário de Einstein, St.ª Perpétua e St.ª Felicidade tiveram o seu dia juntas, o que não é desagradável, celebrou-se o dia da beata Sancha, que tem o nome de uma miúda que andou comigo na escola e que dizia que o pai dela era rei, festejou-se o dia Mundial do Teatro, o aniversário de Calouste Gulbenkian e do meu pai e do pai dos meus filhos, o dia do consumidor, o da juventude, o da poesia e da floresta, o do estudante, adiantaram-se os relógios uma hora, cheguei atrasada a duas reuniões, festejou-se o dia de todos os pais e assinalou-se o dia do nascimento do profeta Mohamed. No mês de Março atravessámos, sem dar por isso, cinco domingos da Quaresma; só me apercebi de tal, quando, num dos últimos domingos, descendo a rua Vale de Santo António em hora que não sabia ser de missa, me cruzei com várias mulheres que a subiam, a caminho da capelinha de Santo António, trazendo nas mãos ramos de oliveira e rosmaninho. Há quantos anos não via eu estes ramos do domingo com o mesmo nome? Olhei então para trás e vi o mês de Março, e já estamos em Abril, e já festejámos (festejámos?) o dia se Sto Expedito (o das causas impossíveis, sabiam? O que eu aprendo com o Borda d’Água!) e de S. Crescêncio (este também não deve ser mau para se rezar…) e também, hoje, segunda feira, dia em que escrevo a crónica, passamos pelo dia de S. Jorge, o protector de Portugal ( e bem precisa… o santo é bom, mas o milagre é grande… embora também seja verdade que se não fosse grande não seria milagre) , no mesmo dia em que se festeja o livro (festeja? Como se festeja o livro senão… lendo? Hoje, prometo que vou ler) e depois de amanhã (ou hoje, para quem esteja a ler esta crónica no dia em que é publicada) será o dia da liberdade e do nascimento da minha filha, o que para mim é uma redundância. Só não lhe chamei Liberdade porque as crianças não gostam que lhes ponham nomes assim exuberantes, e estão no seu direito, e porque seria também uma redundância, visto que para mim ela é o amor (e todos os outros filhos, e todos os outros seres) , e como o amor é libertador, no meu coração chamo-lhe, baixinho (porque não precisa de ser gritado, é uma convicção profunda), Liberdade.

Há-de vir ainda, no último domingo de Abril, o dia mundial da dança. No dia seguinte, o último do mês, nós, os pagãos, devemos enfeitar de flores as casas (diz o Borda d’Água) e continuar a dançar desde o dia anterior (digo eu). Na madrugada seguinte, no primeiro dia de Maio, acordem-se bem cedo uns aos outros, antes do nascer do sol, com doces, cânticos e carícias e festejem a festa das Maias. Era assim que a minha mãe me acordava no início de cada mês de Maio e é uma das mais doces recordações da minha infância, mas não só por causa dos doces, mas sobretudo por causa do mistério ancestral que esse gesto trazia com ele pela mão de uma mãe. Assim, ano a ano, nos salvaremos. Com doces e música. Porque é ligando o mais antigo em nós, os arquétipos que, queiramos quer não, guardamos no cerebelo (por isso mais vale estar consciente deles), com a luz da mais evoluída consciência, que viremos a ser, um dia, humanos. Por enquanto não somos senão esquissos.

risoletapedro@netcabo.pt
http://risocordetejo.blogspot.com/



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