2007-04-04
QUARTA-CRESCENTE
Risoleta Pinto Pedro


RELIGIÃO E TOLERÂNCIA

Helena conta-me um debate a que assistiu na televisão, em que representantes de diferentes religiões discutiam sobre um assunto cujo conteúdo ela considera irrelevante:

- Porque o que me impressionou não foram propriamente as ideias; foi a rigidez, o hermetismo, o sentido acusatório, a falta de fé no caminho e nas escolhas de cada um.

- Todos, Helena?!

- Quase… à excepção dos que não estavam a representar religiões: um filósofo e um agnóstico.

- E esses?

- Pessoas razoáveis, bastante humanas. Os outros falavam como se estivessem instalados numa nuvem, num trono, na cadeira de um juiz ou de um… inquisidor. Não tinham dúvidas, não tinham hesitações, não se interrogavam, nem um paradoxo lhes ouvi. Nem lhes vi no olhar compaixão ou humildade, nem humanidade. Citavam a Bíblia, o Corão e a Torah sem pestanejar e interpretavam cada citação sem a mais pequena abertura. Era assim, e pronto.

- Helena, estou chocada! Achas que são todos assim? Tens alguma coisa contra as religiões?

- Não, não são todos assim. E não tenho nada contra as religiões. Se acrescentarem o coração, se não forem para eles como clubes de futebol ou países que é preciso defender…

- Mas… só se salvam os agnósticos e os… filósofos, como foi esse caso?

- Não creio que tenha a ver com isso, neste caso acho que foi uma infeliz coincidência que todos os representantes das religiões tivessem um pensamento formatado, um não-pensamento. Por outro lado já ouvi ateus defenderem um pensamento racionalista tão rígido e ridículo que não ficam atrás destes citadores dos Livros. Já ouvi jovens monges das mais diferentes religiões falarem como qualquer fanático dominicano no esplendor persecutório. Como já ouvi outros dizerem o que o próprio Dalai-Lama repete frequentemente: que não vale a pena as pessoas deixarem a sua religião para se converterem ao budismo, porque para amar os outros seres qualquer religião serve. Ele não disse, mas eu acrescentaria que não é preciso ter uma religião, porque a única verdadeira religião que existe é a do amor, e para a prática do fanatismo também qualquer dessas religiões que existem é boa. E não ter nenhuma também não deixa ninguém a salvo.

- Mas então… o que sugeres, que te chateia?

- Não sugiro nada. Cada um sabe de si mas não venha chatear os outros. Esta gente a falar em nome de um Deus que não conhecem mas de que se acham íntimos, quando o outro, aquele que acompanhou com prostitutas e ladrões, disse uma vez: “Quando dois se reunirem em meu nome, eu estarei entre eles.”, sem discriminar se eles eram pecadores ou santos, se eles eram esses que se sentam em ridículas nuvens e miseráveis tronos a ler as Escrituras ou se eram os que andam a praticar a vida sem rede…

Esta gente… conheço-a tão bem…

- Como?!

- Pensas que não tenho de vez em quanto umas tentações doutrinárias …? E tu, achas que estás acima disso?


Pronto, tinha de ser, Helena não tem emenda, a conversa estava a ir tão bem…

risoletapedro@netcabo.pt
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