Risoleta C Pinto Pedro
Movimento metafísico de ecologia
É assim que António Telmo, em Capelas Imperfeitas, designa o que deveria ser um eficaz movimento ecológico.
Hoje de manhã, ouvindo na rádio um programa sobre um pólo museológico, memorial aos refugiados e ao cônsul Aristides de Sousa Mendes, criado em Vilar Formoso pela Câmara de Almeida, andei perto deste pensar, talvez silenciosamente inspirada por algo já lido. Os pensamentos e as leituras são como cerejas, ou porque são como as conversas, ou por serem o alimento das conversas, e logo pensei que se nos espantamos pelo pouco tempo que decorreu desde aquele horror, o que o torna ainda mais monstruoso pela proximidade, nem sempre nos chocamos com outros horrores, bem mais próximos, também com refugiados e outras infelicidades. E colorimos os horrores com as cores do nosso gosto ou do nosso desgosto: cores políticas, cores ideológicas, cores religiosas... Temos afinidades electivas que nos embaciam as lentes e nos deformam o olhar. Como adolescentes, receamos desagradar ao grupo que, pensamos, nos protege. Isso retira-nos independência e imparcialidade. Ora enquanto virmos o horror como algo que apenas existe fora de nós, e o outro, o que não pertence ao mesmo grupo de pensamento, como o culpado, ou no mínimo responsável ou cúmplice, passado, presente e futuro, não iremos longe. É necessária muita coragem, eu sei, para identificarmos a nossa sombra, mas não há outra forma.
Que tem isto a ver com a ecologia? Para além do facto de António Telmo, com quem iniciei esta crónica, ter nascido em Almeida, tenho praticamente a certeza que defenderia, também em relação a esta tragédia dos refugiados, quer os da II Guerra Mundial, quer os actuais, com os que houve pelo meio, a atitude metafísica.
Aproximemo-nos:
«Em geral, todos os movimentos de ecologia que nos últimos cinquenta anos têm aparecido no estrangeiro e em Portugal, procedem acusando. Segundo a Bíblia, será o diabo que acusará o homem no fim dos tempos. É necessário que haja quem acuse. Mas o acusador tem por fim condenar e perder o acusado. Não pretende a ecologia salvar o homem, salvar todos os homens e não só aqueles que não têm culpa dos desequilíbrios e da corrupção da natureza em que somos e vivemos? Há alguém que não tenha culpa?»
Continua, referindo que todos os movimentos ecologistas fazem depender de «acções físicas» os fenómenos que vão acontecendo na Natureza.
Acrescenta:
«Os seres devoram-se entre si em cadeia. A destruição de uma espécie causará a multiplicação excessiva da espécie que ela devora que irá por sua vez tornar impossível a existência de outras espécies. Entre o sol e a terra há uma harmonia que se reflecte na pureza da atmosfera. Através da comunicação no espaço e da distribuição no tempo, os quatro elementos recebem uns dos outros o movimento próprio da vida: a água torna a terra fecunda; os vegetais purificam a atmosfera onde recebem a luz ou a energia solar. A ecologia é a ciência destas relações que devem ser conhecidas para harmonizar com elas a acção do homem. Mas o homem sobrepõe o seu interesse imediato de produção de riqueza capitalista ou socialista, aos interesses dessa mãe antiquíssima que é a Natureza, construindo fábricas onde ou não deve, cortando ou plantando florestas, desviando energias, como a eléctrica ou a atómica, dos seus cursos naturais. Nós pensamos que estas acções visíveis não são causas, mas consequências das verdadeiras causas, que são sempre invisíveis ou de natureza espiritual. Daqui a escolhida designação [...]».
António Telmo coloca como hipótese que o desregulamento da Natureza não seja apenas um fenómeno da modernidade ou da civilização (daí considerar os ecologistas ingénuos discípulos directos de Rousseau), mas existente desde que existe o ser humano, comparticipando a humanidade numa falta comum, que para Jaime Cortesão é o orgulho. O misterioso e comparticipado pecado original. Que leva metade da humanidade a virar-se contra a outra metade. Ou porque adora outros deuses, ou porque tem olhos de cor diferente, ou porque se alimenta de outras coisas, ou, ou, ou...
Pretextos não faltam.
Homens contra homens, homens contra mulheres, mulheres contra homens, abuso e destruição de crianças, abandono ou não dignificação dos mais frágeis, dependentes, idosos... Somos natureza, somos, aliás, a natureza mais próxima de nós, e persistimos em tentar destruir-nos a nós mesmos. Esse ódio que nos dedicamos talvez seja, que sei eu?, uma das profundas causas para o que está a acontecer com a Natureza, que nós também somos, embora nos esqueçamos. No fundo, é um acto suicida. Não se mata quem se tem amor.
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