2019-11-06



Risoleta C Pinto Pedro




Pessoas que nunca se aposentam



Surgiu-me este título a propósito do acompanhamento parcialmente à distância que venho fazendo do trabalho de Raquel Gonçalves-Maia, querida amiga que agora vejo menos devido às circunstâncias de ambas, uma em Braga e outra em Lisboa. Repartimo-nos as duas por casas adjacentes, estimulantes famílias em crescimento e projectos próprios. Paradoxalmente inspiradas pela distância, escrevemos, há uns anos, a quatro mãos, uma ficção muito ancorada no real, que foi sendo produzida em Braga e no Gerês por ela; e por mim em Lisboa. Desta correspondência surgiu um livro: Contos de Azul e Terra, que foi crescendo via e-mail, publicado pela Hugin, apresentado nas Galveias pelo saudoso doutor António Arnaut.

Não era a primeira ficção de qualquer uma de nós. Raquel é física, catedrática da Universidade de Lisboa, entretanto jubilada, e investigadora, mas sempre se interessou pelas artes, pela relação entre estas e a ciência e pela história da ciência, tendo, por essa razão, livros publicados nessas diferentes vertentes: ficcional, investigativa e de divulgação.

Raquel Gonçalves-Maia fez do seu estado de aposentadoria uma plataforma para outras formas de investigação. Já não apenas sobre os materiais, mas sobre as inteligências que lhes deram evidência, nome e existência.

Numa página onde os seus livros podem ser encontrados, está escrito à laia de apresentação, e não poderia ser melhor:

«É química por formação e renascentista por vocação.
Trabalha a Ciência, a História da Ciência e a Filosofia da Ciência.
Desenha pontes entre a Ciência, a Arte e a Literatura.»


A vida levou-a a ir viver no norte. Entretanto aposentou-se, mas isso não correspondeu a menor actividade. Há pessoas que nunca se aposentam. Talvez os cientistas sejam dos que mais dificuldade têm em fazê-lo. Regular e sistematicamente, tenho vindo a assistir ao desfile dos seus livros, actualmente sobre a História da Ciência, debruçando-se, em cada um, sobre um ou uma cientista. Já escrevi sobre ela e sobre isto, e a sua original forma de apresentar os cientistas, ao mesmo tempo rigorosa e humana, em livros de leitura estimulante, sem deixarem de ser seriamente informativos, rigorosos. Com títulos sugestivos. Continuam a sair a um ritmo surpreendente, intercalados por conferências em faculdades e escolas.

Devolver ao presente e ao futuro os cientistas que o tempo já levou, mas não o seu trabalho de que hoje beneficiamos, sem os conhecermos, é uma obra que os honra enquanto seres humanos nas suas dificuldades, por vezes desde a infância, que os levou à superação dos limites. Honra-os também enquanto estudiosos, alguns génios e outros mesmo sábios, e faz-lhes justiça para lá de todo o silenciamento de que muitos foram vítimas, alguns ainda em vida, outros depois da morte. São viagens pelo mundo da ciência com seus segredos, pela natural dificuldade para os leigos, mas também por ser um mundo, e os mundos têm sempre muito mais mundo oculto do que aquilo que vem à luz.

Recentemente vi anunciado, no FB, o próximo livro, sobre uma para mim desconhecida Stephanie Louise Kwolek, responsável pela descoberta da, segundo a autora, «fibra à prova de bala». Escrito por outra cientista de fibra, com uma generosidade à prova de bala chamada Raquel Gonçalves-Maia.

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