Risoleta C Pinto Pedro
PAI OU COMPINCHA?
Inicio esta crónica com uma longa citação de Aldous Huxley, no livro Sem Olhos em Gaza. Nela, um pai, na sequência da morte da esposa, tenta consolar o filho (ou a si próprio), prometendo-lhe uma espécie de camaradagem entre os dois.
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«- Viver... bem, como dois bons “compinchas” - proclamou forçadamente. - E compinchas - continuou, improvisando uma sequência à frase - compinchas que são também “amigalhaços”. Bons “camaradas”. Nós vamos ser “camaradas”, Anthony, não vamos?
Mais uma vez, Anthony anuiu. Sentia-se doloridamente envergonhado e embaraçado. “Camaradas”. Lembrava-lhe um termo de crónica escolar. A Quinta Regra em S. Domingos. Ria-se, quando se lia aquilo, soltavam-se irreprimíveis gargalhadas. Camaradas... Seu pai! Sentiu que a cara escaldava. Olhando pela janela lateral, para ocultar o seu mal-estar [...]»
Huxley, como grande escritor e observador da psique humana, a começar por si mesmo, soube retratar muito bem o mal-estar da criança perante a hipótese de ele e o pai virem a ser «amigalhaços». Vergonha e embaraço. Causadores de mal-estar.
Frequentemente, as crianças sabem mais de educação do que os próprios adultos. Um pai não tem de ser amigalhaço. Por várias razões: por não ser essa a função do pai; porque não é desse modo que infunde segurança no filho; porque está a roubar aos amigos aquilo que a só a eles compete; e finalmente, porque está a roubar ao filho, aquilo a que ele tem direito: um pai. E não outra coisa qualquer, não qualquer outro macaqueio com que muitas vezes os adultos escondem o seu receio de desempenhar o papel que se espera deles: adultos. Pais que não souberam crescer tornam-se amigos dos filhos. Com isto não estou a afirmar que um pai não pode ser amigo do seu filho. Pode e deve. Se conseguir. Mas não em primeiro lugar. Primeiro tem de ser pai. Que é algo muito mais grandioso do que ser amigo. Depois, eventualmente, poderá ser amigo. E se o for, não de uma forma infantilizada, mas madura, uma espécie de continuação de pai. Um dia, conversando com um amigo que é pai, dizia-me dele que não pretende ser amigo do filho, nem sequer que ele goste dele. Para já. O amor virá mais tarde, com o respeito. Sobretudo na pré-adolescência e na adolescência, não é fácil gostar-se dos pais. Sinal de que estão a desempenhar a sua função. De semeador. Talvez a terra não goste da enxada que a revolve. Mas vai gostar, certamente, de ver germinar em si a semente que a mão que empunhou a enxada lá deixou. Perverter a relação pai filho, ou pai filha, ou mãe filho, é um acto de profundo egoísmo, imaturidade e inconsciência. O pai existe para amar, não para desejar amor. Para dar, não para receber. E exigir, pode ser uma forma de dar. Exigir do filho comportamentos éticos e compromissos consigo mesmo, sem recear ficar mal na fotografia do adolescente é uma forma de dar desinteressadamente. Dou-te o que de melhor tenho, ainda que não possas apreciar ainda. Se não gostares de mim, isso não muda nada, mas não posso ceder no essencial. Estou sempre disposto a ouvir-te, mas não desisto de que me ouças.
As crianças podem parecer apreciar este modelo de pai camarada, sobretudo nas escolas, pois este mesmo equívoco acontece, também, por vezes, entre os professores. Talvez condicionados pela pressão social, política, a força das associações de pais, o medo das direcções das escolas, etc, etc. Não há pior erro. Um tremendo engano. Com consequências calamitosas. Mas nunca tanto como a que já se propagou na alma do menino, que em vez de um pai ou de uma mãe teve um compincha. Até pode ter aparentado gostar, mas como isso o prejudicou... O compincha vem ocupar um lugar vazio, o do pai, mas esse lugar não é feito à sua medida. Fica-lhe demasiado grande nas mangas. Como diria o Eça. Ele dizia curta nas mangas, referindo-se à civilização, e à mania dos portugueses de copiarem tudo o que vem do estrangeiro.
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