2019-07-07



Risoleta C Pinto Pedro


A servilização das cidades



Falava no outro dia com um vizinho, que recordava quando há umas boas décadas chegou com o pai à cidade, vindo da Beira, tendo ficado a mãe na terra natal a tratar do campo e dos animais; ele tinha doze anos. Era uma criança. Poderia ter ido estudar para um seminário próximo, mas a solução não lhe agradou. Restava-lhe juntar-se ao pai e ir trabalhar para a cidade longínqua. Os homens trabalhavam nos caminhos-de-ferro, na estiva… as crianças como paquetes. No mesmo quarto onde repousava à noite, com o pai, dormiam oito pessoas, oito homens. Não havia dinheiro para mais. Sentia falta da mãe. Um dia bateu à porta de uma senhora e perguntou-lhe se não arranjaria espaço para a família dele, a fim de a mãe poder vir. A senhora ficou tão impressionada com aquela criança, que quis falar com o pai. Desta conversa decorreu que a mãe veio da Beira, e a família foi acolhida pela família da dita senhora cujo filho foi dormir para a sala, assim cedendo o quarto ao novo casal. Chama-se a isto fraternidade. Não é caridade. É algo muito superior. Hoje, os habitantes da cidade, colectividades incluídas, estão a ser espoliados dos seus espaços centenários devido à ânsia por mais dinheiro, que impossibilita quem não tem poderio económico, como é o caso das colectividades e associações, de fazer frente às novas despesas crescentes e decorrentes do aumento das rendas. As colectividades que não são possuidoras dos espaços estão todas em via de encerrar para serem substituídas por hotéis, condomínios de luxo e o diabo a sete. A alma das cidades está ameaçada, porque aqueles que fizeram e fazem as cidades, que não são os turistas, pois estes apenas usufruem, mas os que habitam, vivem, trabalham, convivem, cooperam, estão a ser expulsos. É um processo perverso e autofágico que não pode durar muito mais.

Essa é a boa notícia. Tudo o que alcança o extremo vira no seu contrário. Só temos de nos manter serenos e firmes enquanto dura. E solidários com aqueles com mais dificuldades do que nós. Não caridosos, mas fraternos. Porque podíamos ser eles.

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