Risoleta C Pinto Pedro PERFUME EM LISBOA (A minha África)
A minha África tem forma de grande transatlântico e perfume de banana e ananás. Eu tinha nove anos quando a conheci. Vivia em Santarém, mas fui a Lisboa com os meus pais ao encontro dela. Recebemo-la no porto de Lisboa, como ele era então. Monumental, apinhado de gente. Uma experiência inesquecível. África vinha aí, embora ainda não estivesse à vista, nem o perfume se anunciasse. Era mais uma questão de fé. A mãe e o pai tinham dito. Nessa idade não se duvidava da palavra dos pais. Ali nos arrumámos numa varanda a transbordar de gente, mas uma criança tem o direito de passar à frente para ver melhor; Deus existe. Pelo menos na Europa, e eu não sabia que em África muitas crianças tinham mais dificuldade em imaginar o rosto de Deus. Os rostos dos que esperavam eram ansiosos, mas felizes na expectativa de verem África. Pensava eu. Eu não via a minha expressão, mas sentia-me assim, numa imensa excitação. Nunca tinha assistido à deslocação de um continente. Já conhecia um bocadinho de África por fotografias que a minha tia enviava, com filas de meninas e meninos negros, os alunos dela, e uma menina muito loura no meio deles, que era a minha prima. Desde o tempo dessas fotografias que a miscigenação racial se me afigurou como a coisa mais natural do mundo. Esperava ver sair do navio muitos meninas e meninos negros alinhadinhos, como os da fotografia, com uma ou outra menina loura no meio deles, mas quando o navio chegou, eram quase só brancos adultos que de lá saíam e da menina loura e da minha tia e do meu tio, nada. Foi preciso esperar muito, foram quase dos últimos a sair, pelo que, depreendi, estavam já com saudades de África. Mas vinham muito sorridentes e cheios de histórias de África e da viagem. |
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