Risoleta C Pinto Pedro
SANTIAGO NAUD e a geração de ouro
Nasceu em 1930. É 24 anos mais novo do que Agostinho da Silva. Apenas três o separam de António Telmo, nascido em 1927. E de João Ferreira, outro nome incontornável desta ínclita geração, nascido em Fevereiro do ano de Telmo. Eudoro de Sousa, nascido em 1911, está mais próximo da idade de Agostinho, faz parte do grupo que funda a Universidade de Brasília, e virá a criar, três anos depois, o Centro de Estudos Clássicos. Agostinho, também na base da fundação da Universidade de Brasília, acaba por ficar responsável pelo Centro Brasileiro de Estudos Portugueses.
Que têm em comum estes homens? Para além de terem estado ligados, de alguma forma, à Universidade de Brasília, alguns colaborando na sua fundação, como Agostinho, Eudoro e Naud, todos são imponentes figuras do pensamento ou da literatura e crítica/ensaio literário em português, e alguns da filosofia portuguesa (por mais que o negue, como é o caso de Agostinho…). Telmo foi o que fez passagem mais curta por Brasília, João Ferreira lá se mantém até hoje, ainda que todos os anos nos dando a alegria da sua vinda. Santiago Naud, nado e criado no Brasil, é no seu país que actualmente habita, várias vezes esteve em Portugal e chegou a visitar António Telmo. Para lá das várias diferenças, são gente requintada, entusiasmada e de pensamento livre. Excelentes pensadores em torno da filologia, da filosofia e da literatura, ensaístas, escritores. Agostinho, com uma forte vocação operativa e concretizadora, António Telmo recuperando a alma portuguesa na sua vertente judaico-cristã, estudando a cabala em paralelo com a língua, João Ferreira, doutor em filosofia e pós-doutorado em Literatura com inúmeros preciosos ensaios publicados, Eudoro interessando-se especialmente pelo símbolo e pelo mito e nesta área produzindo excelente literatura.
José Santiago Naud, com formação em literatura clássica, ensinou literatura no Brasil, EUA e tem largamente escrito, sobretudo na área da poesia e do ensaio. Está publicado em Portugal, no Brasil e em outros países da América latina. É um dos grandes poetas brasileiros contemporâneos. Apesar de publicado em Portugal, não é tão conhecido como merece, como nós próprios (o) merecíamos.
A sua poesia assume uma dimensão que vai do minimal ao torrencial. Sóbrio no torrencial, incontido no minimal. Por causa do símbolo. O símbolo é a chave da sua poesia. Aquele que extravasa do verso, da palavra. Vejamos o primeiro poema do seu livro Memórias de Signos, publicado em 1994 em Porto Alegre, pelo Instituto Estadual do Livro (que ofereceu a António Telmo, com dedicatória):
«Em cima
ou embaixo
trazemos sempre connosco
o chão das metáforas –
cão de plumas
cão de águas
cão de estrelas
Cão Maior
ou Menor
na curvatura dos céus.
E, mais para lá,
a memória.»
SN
Os dois primeiros versos: «Em cima/ou embaixo», em que a disjuntiva “ou” adquire um valor diferente, não separativo, mas paradoxalmente coordenativo, sendo este “ou” como um “e”, remetem-nos para «o mito é o nada que é tudo» de Pessoa, sendo o cimo como o baixo, o nada como o tudo. E aqui está, logo no início do poema, a chave. Como diria Eudoro, seu companheiro da Universidade de Brasília, em “Arte e escatologia”: «A arte é símbolo e como símbolo deve ser interpretada». É o símbolo que temos de procurar. Sendo procurado, ele não se faz rogar. Continuemos: «trazemos sempre connosco/o chão das metáforas». O chão, que sabemos ser uma propriedade do baixo, no caso da poesia, essa inequívoca arte, tanto pode estar em cima como em baixo. Diríamos mesmo: o céu também tem chão. Acrescentaríamos: o céu também tem cão: de plumas, de águas, de estrelas. O cão das metáforas ou o chão das metáforas, porque é a base que sustenta a arte, onde quer que ela esteja, terra ou céu, em cima ou em baixo. Porque o cão tanto está na terra, como voa, como atravessa rios, como está na Via Láctea compondo constelações. «Em cima/ou embaixo» está para «Cão Maior/ou Menor», como «o chão das metáforas» está para a «curvatura dos céus». E assim retomamos a «memória», ou mesmo «mais para lá» da memória, de um outro dessa ínclita geração, António Telmo:
Se trocares as lâmpadas no Templo
Não importa dizer baixo por alto
Esquerda por direita. Assim o salto
Da cabra sobre o abismo onde contemplo
A imagem santa do divino exemplo -
Não é daqui pr’ali. É dali p’ro “Planalto”.
AT
O «salto de cabra» de Telmo está para o voo do «cão» de Naud como o «baixo por alto» de ambos.
E mais não digo, porque, segundo Eudoro, no texto acima citado, do livro Dionisio em Creta e outros ensaios, «o intérprete sempre terá de alegorizar, isto é, dizer sucessivamente outras coisas que todas são, ou melhor, tendem a ser, o que efetivamente, simbolicamente, já veio a ser a obra de arte». Neste caso, sendo eu a intérprete, tentei, com as palavras de três brilhantes autores desta ínclita geração, alegorizar. Porque outra coisa não seria possível. «A arte é símbolo e como símbolo deve ser interpretada». Recomendo todas as releituras que puderem deste poema de Santiago Naud, e também do de António Telmo. Não conseguirão esgotar os seus sentidos. Porque são infinitos.
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