2017-09-13



Risoleta C Pinto Pedro


Um Dante da Venezuela

A propósito de algo que estou a ler de António Telmo, vou ao Purgatório de Dante tirar uma dúvida, entretanto preciso de ir ao Areeiro tratar de assunto bem menos profundo, algo de trivial, aí recordo o símbolo, o quadrado que desde a infância acompanha o nosso filósofo do futuro, e que bem menino já desenhava com uma ervinha na parede do quintal da tia em Alter do Chão, o mesmo que há quase dois anos, não sei que processo inconsciente e misterioso me levou a encontrar numa das paredes das arcadas desse mesmo Areeiro, onde um ano depois um sem-abrigo me ofereceria, em troca de umas pobres moedas que lhe dei, um trevo de quatro folhas, o primeiro quadrevo, assim lhe chamava António Telmo, que vi na minha vida, e agora, novamente na zona do Areeiro, ali muito perto do sítio onde Telmo costumava reunir com o grupo esotérico de Hölzer, apanho um táxi, mais precisamente chamo um Uber, e pasmo!, ao ver o nome do motorista: Dante! Eu sei que o género crónica permite a ficção, por isso têm toda a minha permissão para acharem que estou a delirar ou, no mínimo, a inventar. É um facto que eu tenho uma imaginação algo delirante, mas também vos asseguro que perante alguns acontecimentos da minha vida, cada vez com maior frequência a minha fértil imaginação, ela mesma se curva, humilde e parva (no sentido etimológico, de pequeno). Resta contar que o meu Dante não é italiano. Percebi-o assim que entrei, pelo sotaque latino-americano. É Venezuelano. Italiano é o pai, que também se chama Dante. Não tentei investigar a genealogia, não valia a pena, Dante é, segundo ele, nome que não falta em Itália. Mas não é provável em Lisboa, em território télmico, e no meio de um enredo que mais parece uma ficção. Levámos a viagem a conversar sobre a situação da Venezuela, mas a minha vontade era perguntar-lhe se a namorada não se chamaria, por acaso... Beatriz. Mas não tive coragem. Até porque desconfio que não entenderia a alusão. Quando lhe falei no poeta, ficou neutro como um carapau do Atlântico. Mas quando lhe falei no Maduro alterou-se como uma fera da selva africana. Também não se deve exagerar nas expectativas em relação aos fenómenos de sincronicidade. António Telmo tinha razão. Olhar, observar, ver, mas não provocar os fenómenos. E para mistério eu já estava, convenhamos, muito bem servida! Aliás, já no táxi-Uber à ida, fora conduzida por um ucraniano chamado Ivan que de terrível não tinha nada e que me disse que está cá há dez anos e a mulher dele há quinze, já se consideram portugueses. A literatura já não é o que era e a realidade também não. Viva a poesia da razão.

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