Risoleta C Pinto Pedro
«Todos nos conhecemos do paraíso»
Realizou-se há poucos dias um Congresso sobre Pascoaes, celebrando os 140 anos do nascimento e os 65 da morte do gigante lamentavelmente tão ignorado. Realizou-se em terceira edição de um ciclo designado como Triénio Pascoalino, organizado pelo CLEPUL, com destaque para a grande alma realizadora e motivadora que é Sofia Carvalho. Com destaque, também, para a Câmara Municipal de Amarante, um exemplo a olhar por outros municípios. Não só adquiriu todo o riquíssimo espólio da casa de Pascoaes, como apoiou exemplarmente este Congresso até ao mais ínfimo pormenor. A destacar. Embora a abertura tenha ocorrido na Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde se encontra até ao final de Abril a exposição a não perder, decorreu em Amarante o Congresso, como não podia deixar de ser. Na Biblioteca e na Casa da Cultura. Com visita ao solar de Gatão, o lugar do pai, e de Travanca do Monte, o lugar da mãe. Mas ambos os espaços indelevelmente marcados pela sua presença, luz e sombra, anjo e espectro, voz e fantasma, corpo e nevoeiro. Sobretudo na casa de Gatão, o génio da criação perdura nos interiores, cujos móveis por si desenhados mostram, sem equívoco, a atracção pela representação material e pela vivência do símbolo. O triângulo e a cruz da Ordem de Cristo são omnipresentes. Junto da lareira logo à entrada da casa, uma tampa em madeira no chão, oculta uma banheira escavada na pedra. Água e fogo em casamento alquímico. Na casa de Travanca do Monte, também a estrela ilumina os tectos. Cá fora, num e noutro lugar, a natureza faz o resto. Naturalmente. Alguns de nós fizemos o regresso de Gatão percorrendo a pé o habitual caminho de Pascoaes até Amarante. Sentimos cada passo como uma dança cósmica, a dança do poeta em torno da sua alma lusitana.
No dia anterior, no Congresso, terminei a minha comunicação lendo um texto de António Telmo: “Teixeira de Pascoaes” que faz parte do III volume das Obras Completas de Telmo e que termina assim:
«Quando dois ou três anos mais tarde vim a pertencer ao grupo dos dois filósofos portuenses, José Marinho e Álvaro Ribeiro, fomos todos avisados de que Teixeira de Pascoaes vinha a Lisboa falar no Grémio Literário.
Ficámos à porta, à espera da chegada do carro que o trazia. Vinha com uns amigos. Dirigiu-se imediatamente ao Álvaro e ao Marinho, que bem conhecia de se encontrarem na Renascença Portuguesa e, em seguida, foi-nos apertando as mãos um a um fraternalmente. Um de nós deixou-se ficar como estava e disse-lhe: – Não o conheço de parte nenhuma. E Pascoaes prontamente: – Dê-me sua mão. Todos nos conhecemos do Paraíso.»
Porque não revelo quem o fez, não estou a faltar a uma confidência se disser que não foi António Telmo que não quis estender a mão ao poeta, apenas fazer ressaltar a elegância de Telmo e a fraternidade e a amorosa prontidão do espírito do poeta. «Todos nos conhecemos do paraíso». Infelizmente, andam alguns neste mundo como se nos conhecêssemos do inferno. Mas não faz mal. Um dia hão-de chegar ao Paraíso, quando descobrirem que ele começa aqui. Ou não há. Até lá, vão respirando o enxofre, à falta de melhor, mesmo com as laranjeiras em flor, e as mimosas, as tílias, as lucialimas, os limoeiros e os jacarandás a roçarem-lhes o nariz. Trata-se apenas de uma questão de respiração. Pior é quando nem sequer nos reconhecemos. O inferno já é alguma coisa. É apenas um lugar inferior. A partir do qual se pode ascender. É importante conhecer todos os recantos deste mundo, mesmo os não muito recomendáveis, para sabermos evitá-los. Não é o caso de Amarante, Gatão e Travanca do Monte. Triângulo simbólico, porta de entrada ou reentrada para a obra de Pascoaes. Um lugar muito recomendável.
http://aluzdascasas.blogspot.com/
http://diz-mecomonasceste.blogspot.com/
http://escritacuracriativa.blogspot.pt/
http://www.facebook.com/risoleta.pedro
http://risoletacpintopedro.wix.com/risoletacpintopedro
|