Risoleta C Pinto Pedro
Do paradoxal dançar
Havia a montanha e havia o mar. A montanha estava lá. Ao mar era preciso achá-lo. A montanha era fronteira quotidiana com o céu, cenário e colo para o olhar. Bastava sair por uma das três portas e lá estava ela em frente, silenciosa, sólida, verde e sinuosa.
Uma vez por ano íamos ao mar. Não nos limitávamos a ir, porque levávamos bagagens e ficávamos, como visitas de longe que se demoram. E demorávamos.
A montanha passava a ser o mar. Sonoro, líquido, azul e verde e de uma inquietação ritmada e segura.
Durante essas visitas eu mudava-me por dentro. Do sentimento de segurança que a montanha me dava, para uma espécie de angústia que a permanente inquietação do ondular me transmitia.
Se a montanha me ocultava uma parte do céu, o mar era solo demasiado instável para o azul.
Isto, de dia.
Mas à noite tudo se transformava.
A montanha movia-se ao meu encontro numa espécie de jogo de recua e empurra em que eu crescia e ficava do tamanho dela e empurrávamo-nos suavemente uma à outra. Ou ela se aproximava absurdamente do meu terraço ou eu a pressionava até ao horizonte de onde ela novamente me perseguia com suavidade quase me acompanhando no meu recuar. Uma dança como maré, como mar.
A dança que não me permitia de dia tinha-a à noite antes de adormecer, com a montanha. Ainda hoje o faço. Uma espécie de luta marcial em câmara lenta em que nunca nenhuma das duas vai ao chão, porque não somos adversárias, mas amigas ou irmãs. Ou a mesma.
Quanto ao mar, não era muito diferente, sendo que toda a inquietação do dia, à noite desaparecia. Comportava-se como montanha, vindo, pelo marulhar, até à cama onde o ouvia. Levantava-me então e pelo treino com a montanha, pressionava devagar a água que recuava até ao lugar onde o sol se punha e eu caminhando com ele, sobre as águas, como pequena profeta. O recuar era uma vertigem boa em que o mar como única onda me empurrava as mãos que eu usava como volante ou vara de condão. Assim brincávamos na clandestinidade do escuro. Eu acreditava que o mar esperava ansiosamente pela minha chegada em cada verão. Não me atraíam nem as construções na areia, nem as bolas de Berlim, nem os mergulhos. Esperava ansiosamente a noite para o suave deslizar em que, ondina, me comportava como montanha. De caranguejo para capricórnio, e da montanha para as águas, numa dança paradoxal e viva que apenas hoje julgo talvez ter compreendido.
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