2016-09-14



Risoleta C Pinto Pedro


Dois monumentos móveis no Brasil



Já não é de hoje os portugueses terem de sair do seu país. Nem sequer é uma tragédia. A única coisa que não está certa no meio disto é a falta de alternativa. Sair podendo ficar é um acto de liberdade. Sair como alternativa ao impossível ou quase impossível ficar, também pode ser um acto de liberdade, mas convenhamos, muito condicionada. Agostinho da Silva saiu de Portugal em 1944. Era Novembro, tinha trinta e oito anos, estava quase a fazer os trinta e nove. Fica primeiro no Rio e depois em S. Paulo. Após uma ida ao Uruguai, regressa a S. Paulo.

Ferreira de Castro é apenas oito anos mais velho, mas embora tenha tido também como destino o Brasil, nem os motivos nem a idade nem o destino se assemelham.

Nascidos em terras não muito distantes, Agostinho no Porto e Ferreira de Castro em Ossela, de Oliveira de Azeméis, um antigo castro a dar razão ao apelido de José Maria.

Embora não cultivando a imagem, Agostinho levava já consigo o estatuto de escritor, educador e pensador. Era incontornável, havia uma monumental obra feita. Partiu por razões políticas. Embora nunca se tendo envolvido directamente em política, era tão evidente e coerente a relação entre o que pensava, o que dizia e o que fazia, era tão desassombrada a sua maneira de estar, que não era compatível com um regime de sombra. Assim, partiu. Mas não antes de ter experimentado a prisão.

Quando Agostinho parte para o Brasil, Ferreira de Castro já estava a ser traduzido em checo e em romeno. A Selva já tinha sido experimentada, vivida, observada, sofrida. E escrita. Também publicados, Terra Fria, a Volta ao Mundo, Eternidade, A Tempestade, Intervalo, Emigrantes,… Partira com doze anos, praticamente sozinho. Directamente para a Amazónia. Por razões não directamente políticas, mas de sobrevivência. Afinal, resultado de uma política. Tinha Agostinho quatro anos. Quando Ferreira de Castro embarcava no navio, Agostinho já deixara o Porto e estava em Barca de Alva, onde aprendia a ler, com a mãe.

Aquilo que Ferreira de Castro designa em 1955, vinte cinco anos depois da primeira edição e A Selva, como o «roteiro do drama social dos cearenses e maranhenses, do meu próprio drama», o seu livro mais célebre, começava a ser esboçado. Aos doze anos. Mas foi realmente escrito «de 9 de Abril a 29 de Novembro de 1929», com trinta e um anos. Foram necessários «quinze anos volvidos tormentosamente sobre a noite em que abandonei o seringal Paraíso» para poder sentar-se «à mesa de trabalho para começar este livro».

Em 1959, quando regressa ao Brasil, quarenta anos depois, é recebido apoteoticamente no Rio, onde recebe as chaves da cidade. Tem honras concedidas pela União Brasileira de Escritores, da qual partira o convite, e pelo Presidente da República. Agostinho está em Santa Catarina onde é director do Departamento de Cultura do Governo Estadual, e parte nesse ano para Salvador. Não devem ter-se encontrado.

Em 69, quando Agostinho regressa a Portugal, Ferreira de Castro escreve uma Mensagem de adesão ao II Congresso Republicano de Aveiro. Em cujo liceu Agostinho leccionara até 35, ano a partir do qual é impedido de continuar, por não aceitar a lei Cabral. Não sendo maçon nem comunista, e como tal a lei não o afectando directamente, afectava-o na coluna que sempre quis direita, e por isso foi dos raros que se recusaram a assinar.

Caminhos que se cruzam, tempos que se interseccionam, mentes que se ligam em universos que não nos é dado conhecer. A não ser pela literatura e pela imaginação, essas mágicas portas do mundo para o mistério.

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