Risoleta C Pinto Pedro
Conversa com Helena sobre a Graça
Converso com Helena, numa pausa das nossas atarefadas vidas. Ela conta-me um episódio:
- Há uns anos fui surpreendida, neste mesmo café, pela presença de um casal, principalmente por ela. Uma mulher de uma beleza deslumbrante que, vim a saber depois, já passava dos oitenta. Tinha longos cabelos brancos caídos, algumas rugas na pele e como maquilhagem apenas um pequeno rosa nos lábios. Vestia-se discretamente e tinha um sorriso irresistível. Era tão radiosa e atraente que todos os olhares, sem o quererem, se viravam para ela. O marido tinha um ar distinto e discreto. Fiquei impressionada pelo facto de naquela idade, ser possível conservar uma tal beleza.
Eu não me mostrei surpreendida, mulheres com idades avançadas a fazer plásticas e a aparentarem menos vinte ou trinta anos é o que mais há.
- Mas não se trata de nada disso. Esta mulher não fizera nenhuma plástica. Tinha no rosto as rugas do tempo... apesar de tudo, ou talvez por tudo isso, era muito bela. Depois deste caso já tenho visto mulheres que, sem se sujeitarem a plásticas mantêm o espirito da beleza, mas esta ficou-me gravada, é como se estivesse a vê-la.
- E como explicas isso?
- Agora sei. É a Graça...
- Como?
- Sim, não tenho dúvida que a partir de uma certa idade, mais ou menos pela altura em que se inicia o processo de individuação, que pode depender de pessoa para pessoa, temos duas possibilidades. Ou antes, três: Ou nos deixamos acabrunhar pelo tempo e ainda antes do momento começamos a envelhecer, ou o combatemos com botoxes, plásticas e estranhos e quase mágicos unguentos e ficamos uns seres meio esquisitos de improváveis, ou...
- Ou...? – eu começava a interessar-me pelo tema...
- Ou então tornamo-nos amigas do tempo, da idade, aprendemos a seguir o tempo sem nos deixarmos abater por ele, tornamo-nos íntimas da idade e de nós mesmas e permitimo-nos envelhecer.
- Credo! Lagarto, lagarto, lagarto!
Helena riu-se:
- Aquela mulher, foi o que fez...
- Mas acabaste de dizer que parecia...
- Eu disse que era tão bela que parecia muito mais nova... aquela mulher continuava atraente, fazia convergir os olhares. A Graça que todos recebemos à nascença, ou antes... sei lá... e que depois vamos perdendo, temos uma oportunidade extraordinária de a ir recuperando a partir da meia idade. Quem souber fazer as coisas...
- Quem souber fazer as coisas?
- Sim, aquela mulher soube. Tenho conhecido outras, mas aquela superou tudo. Quem souber fazer as coisas vai recuperando por dentro a fonte da juventude.
A conversa já estava a passar os meus limites.
- A fonte da juventude?!
- Sabedoria temperada de compaixão. Pela vida, por ela mesma, por todos. Uma doçura temperada de perdão. Por ela, por todos. Força temperada de paciência. Para com ela, para com todos. Beleza temperada de... solidão. Com ela. Com todos.
Isto já era demais.
- Solidão?! Com ela e com todos?!
- Sim aquele sentimento que nos remete para o interior de nós mesmos e assim nos aproxima de nós. E de todos.
- Achas que vais conseguir envelhecer assim?
- Não vou tentar...
- Ah!
Helena riu com gosto do meu ar vitorioso.
- Não se trata de fazer esforço. É só deixar crescer a Graça. A partir de dentro.
- E onde é que vais buscá-la?
- Há uma menina, dentro de mim, dentro de ti, que nunca morreu, que nunca a perdeu. Pergunta-lhe pela Graça. Ela sabe...
Pagou os cafés, levantou-se e saiu com um movimento gracioso. Ao sair, virou-se para mim e sorriu-me com... que outra palavra para definir o sorriso de Helena?, com... Graça!
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