2016-05-18



Risoleta C Pinto Pedro


Escultura da ausência



No primeiro dia em que ali passei, refiro-me à estação do Rossio após a queda da estátua de D. Sebastião, símbolo da nossa derrota, encontrei, curiosamente, um grupo de alunos da minha ex-escola acompanhando um professor com quem eu costumava fazer esta visita. Era uma parceria. Depois da alegria em vê-los, foi muito significativo o que senti quando me virei no sentido oposto, ficando eles para trás com a ausência de Sebastião, um grupo de alunos presentificando o passado ali em frente do nicho vazio. Eu dirigia-me à Sociedade de Geografia. E tudo isto me faz muito sentido. A minha escola agora já não tem paredes, é o mundo, os meus alunos já não têm idades, D. Sebastião já não tem nicho...

Mas ainda estou no largo D. João da Câmara a olhar para os cafés de Pessoa e para o não Sebastião... ainda tenho umas voltinhas a dar ao pensamento... enquanto tomo uns cafés virtuais com o da Mensagem...

Independentemente da questão legal com que o rapaz terá de se confrontar, porque a verdade é que tentou montar D. Sebastião, isto coloca algumas dúvidas formais. É que o rei nem sequer estava com cavalo. Para além da obsessão das selfies que tem sido largamente referida, e de Sebastião não apresentar as condições que Pessoa apresenta, mais acima, à porta da Brasileira, onde dispõe de mesa e cadeira, fazendo da sala de visitas o Chiado, tem de se compreender que D. Sebastião estava num local de passagem. Não estava ali para fazer sala. Nem selfies.

Passei no outro dia em Alfama, e um café tinha cá fora, na parede da rua, um coração gigante, junto ao qual se podia tirar uma foto pagando uma determinada quantia...

Ao que isto chegou! Fernando Pessoa não leva nada pela pose, mas já começo a pensar que D. Sebastião deveria ter ali um cartaz com o preço, uma espécie de financiamento para a viagem de regresso, o que talvez desencorajasse abusos. E nos tornava a todos sebastianistas, passando cada um de nós a ser mecenas do rei, que pelos vistos bem precisa.

Enfim, D. Sebastião está em cacos no chão... sei que já varreram os cacos, mas a imagem fica nas nossas retinas, o nicho está vazio e nem sequer temos o consolo do belo nevoeiro de Dezembro. Que se lhe há-de fazer? Pois vender o vazio aos turistas. Quer tirar uma foto no nicho onde esteve D. Sebastião? Cada um pode viver por um segundo a glória de ser Sebastião, não precisa de saltar para o nicho, faz de conta que está por detrás do nevoeiro, e com sorte ainda lhe fazem uma épica, ou no mínimo, um verso...

Voltando ao rapaz da selfie, o problema dele (e o nosso) e é disso que devia ser acusado, foi ter chegado demasiado tarde, cerca de quinhentos e tal anos.

De que vale apear o rei depois de todos os estragos (em Alcácer-Quibir e por cá) já terem acontecido?

Nessa altura, 1578 é que era...

Se este rapaz ou outro, tivesse chegado a tempo, tinha sido hoje poupado a esta maçada e nós também...

Se fosse um turista estrangeiro, talvez não lhe acontecesse nada, mas os portugueses não podem andar por aí a apear os heróis... sim, que séculos e séculos sobre a história, transformam em vitórias as derrotas...

Entretanto, ouvi dizer que foi encontrada algures uma estátua igualzinha à que se partiu. Isto não me deixa nada descansada. Agora que tínhamos ali materialmente o mito, quero dizer, no seu invisível esplendor, vamos começar tudo de novo?!... Oh não!!!

http://aluzdascasas.blogspot.com/
http://diz-mecomonasceste.blogspot.com/
http://escritacuracriativa.blogspot.pt/
http://www.facebook.com/risoleta.pedro
http://risoletacpintopedro.wix.com/risoletacpintopedro



Ver crónicas anteriores



LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS LIVROS DISCOS