2016-03-09



Risoleta C Pinto Pedro


LISTA




... e, para concluir, meu amor,

coisas que não me podem faltar em casa, sob risco de a ordem se transformar em caos:

Fósforos, talvez lembrança de remotos tempos em torno de uma fogueira preciosa como ouro; isqueiros, para quando não há fósforos, não pode faltar o fogo no meu lar; limões, uma espécie de sol amargo e fresco; pão, esse conforto perfumado e quente; coentros, sem os quais não se consegue confeccionar uma sopa que possa designar-se assim; maçãs para as fomes súbitas e também desintoxicação de excessos; incenso, esse luxo do olfacto transportador entre mundos; velas, para iluminar as sombras quando se adensam ou para as convocar; pilhas, para o rato do teclado, para o despertador das manhãs e a máquina fotográfica sem os quais a civilização se afasta; lâmpadas pequeninas, que estão sempre a fundir-se, para o candeeiro de sal que me ilumina a janela e como farol me situa e atrai na noite da cidade; sacos plásticos para o lixo e os dejectos dos cães, a garantia de ordem no caos; açúcar amarelo solar, sem o qual não sei ser; guarda-chuva para poder fazer a opção de o deixar em casa e molhar-me com sentimento de liberdade; lápis, canetas, borrachas, para saber que escrevo no computador porque quero e para sublinhar os livros e às vezes fazer listas como esta; papel, pelas mesmas razões; livros, porque sem mestres e amigos não sei viver, perfumes para me sentir em casa como em jardim; leite, seja ele do que for: soja, arroz, amêndoa ou vaca, como evocação de vida; tinta para a impressora para o que for preciso; ovos para um bolo urgente; molas de roupa (e não clips) para segurar o que tem tendência a dispersar-se: dos papéis ao conteúdo dos pacotes da dispensa, passando pela incontornável roupa; sabonetes naturais, suavemente perfumados, de azeite ou amêndoas, para alegria da pele; azeite, essa memória da candeia dos avós, essa memória das oliveiras humildemente centenárias guardiãs do céu e da terra; cães, gatos, osgas e aranhas para a protecção da vida e da alegria da casa e das almas; um espelho para assistir ao sagrado gradual carimbar da pele; plantas secas de muitas qualidades para a hora alquímica da infusão; madeira ou cortiça sob os pés para lembrar sempre que a difícil aventura ou empresa que me propus foi um sucesso e estou viva no planeta que escolhi...

Estas condições reunidas, meu Amado, penso que poderemos imaginar-nos a adormecer e a acordar juntos, ou a assistir ao adormecer e ao acordar do outro, a passar horas a conversar ou dias em silêncio activo, a passear juntos pelas mesmas ruas ou sozinhos na companhia da lembrança da presença do outro, em liberdade acompanhada, fiável, tranquila, inquestionável e segura.

Comecemos pelos fósforos, esse fulgurante e explosivo pequeno sol...

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