2015-05-27



Risoleta C Pinto Pedro


O meu desacordo ortopédico



Inaugurei a minha época de rebeldia ortográfica.

Tenho vivido num limbo indiferenciado em aguda crise de identidade às voltas com a liberdade.

Passo a explicar:

Enquanto dei aulas, tinha o dever moral de ensinar a aberração aos meus alunos, porque estava numa instituição, havia regras e era meu dever não prejudicar os alunos ocultando-lhes o acordo que eles eram obrigados a conhecer. Assim, fiz das tripas coração e cedi. Tive de ler, aprender, praticar, ensinar. Sem excesso de caretas, para não custar ainda mais. Eles sabiam o que eu pensava, mas procurava suavizar-lhes o processo.

No fundo, o meu trabalho consistia em ensinar-lhes a aplicar uma espécie de aparelho ortopédico a um corpo dele desnecessitado. Era como se uma perna sã tivesse, de repente,de colocar uma prótese, ficando por isso a coxear. Lá fomos andando ao pé-coxinho, umas vezes rindo outras rilhando. Os dentes.

Ora, pela repetição, a gente habitua-se até ao pior veneno. Foi o que aconteceu. Se para muitas palavras ainda tinha de pensar e até respirar fundo como quem se prepara para engolir sapos, outras já iam saindo automaticamente.

É então que decido, quase de um dia para o outro, apesar do desgosto de deixar os alunos, libertar-me da instituição escola.

E nesta nova liberdade sem margens nem fundo fiquei a boiar num magma sem referências ou com excesso delas, onde, escrevendo para diversos contextos como livros, páginas, e outro tipo de publicações e grupos, encontrei uma variedade imensa de posições que vão do "não queremos o acordo" ao "aqui respeitamos o acordo" e eu no meio, como filha de casal desavindo. Resolvi, então, criar no meio do caos, um acordo pessoal, comigo mesma. Para não perder tempo com o que não merecia o meu tempo. Acordei que o que me saísse segundo o acordo não sofreria censura fundamentalista e o que tivesse de ser pensado ou negociado com as minhas entranhas, pura e simplesmente sairia na versão antiga. Ou actual, sei lá. Já não se sabe. Encontrei, com esta negociação comigo mesma, uma relativa paz.

Até que surge a "obrigatoriedade", a data oficial limite (que há quem diga que não é bem assim) para o país usar o acordo que, tal como eu, negociou praticamente consigo mesmo.

Aqui a coisa fiou mais fino, porque se há coisa de que eu não goste é de ser obrigada. Assim, aqui declaro que a partir de agora passo sobre o acordo e alguma palavra que encontrem segundo a nova regra foi pura distração (esta foi só para servir de exemplo) ou engano. Podem sublinhar como erro. Estou disposta a escrever 5 vezes cada palavra em que me tenha enganado, como fazia quando andava na escola primária. Para que não volte a acontecer.

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