2013-12-25



Risoleta C Pinto Pedro


OUTRAS VERDADES INCONVENIENTES



Sobre os resultados das escolas, a conversa sobre as públicas e as privadas, etc, o que tenho a dizer como alguém que conhece a questão por dentro: Um aluno bem preparado para o exame (refiro-me ao de Português, que é a área que conheço) não é necessariamente o aluno mais inteligente, ou mais criativo, ou mais consciente, ou com maior capacidade de adaptação a situações inesperadas ou mais preparado para a vida. Não estou a afirmar que alguns dos alunos com sucesso nos exames não possam possuir estas qualidades, mas uma coisa é diferente da outra.

As escolas com melhores resultados são aquelas mais bem equipadas com estratégias de treino para os alunos terem sucesso nos exames. Não propriamente na vida. Há perguntas tipo, respostas tipo, mecanismos de raciocínio, condicionamentos, por aí fora. E como não há tempo para tudo, é preciso escolher: ou se prepara os alunos para o exame ou para a vida. É uma questão de valores. Preparação para uma sociedade de máquinas. Isto não é inocente, são opções políticas e ideológicas e não têm nada a ver com a vida ou com educação.

Muitos alunos brilhantes e criativos ficam completamente paralisados perante o objeto básico e primário que é um exame. Eles até podem amar e conhecer a obra daquele autor ao nível do requinte da emoção e do pensamento, e ficarem perplexos com perguntas tão inesperadas e deslocadas do que é a essência da arte literária. Nós próprios, os professores com décadas de experiência, com décadas de leitura e escrita, quantas vezes não ficamos em estado de confusão perante questões mal elaboradas, ambíguas ou excessivamente básicas? E depois sai-nos um: "Ah!, mas é isso que eles querem?!"

Os exames nem sequer testam se um aluno sabe ou não escrever. Conheci alunos que escrevem quase tão bem ou tão bem como eu, que não conseguiram obter resultados positivos no exame.

Eu própria não tenho a certeza se conseguiria ter um vinte no exame... O que é que me falta? Ser mais básica, menos elaborada, culturalmente mais primitiva, emocionalmente mais previsível, etc. Falta-me tudo o que é preciso como preparação para um exame. Que se pretende então que o aluno demonstre ao responder a uma prova de exame?

- Que saiba reagir de modo previamente conforme a situações conhecidas.

- Que saiba reproduzir.

- Que saiba passar por cima do pensamento próprio e responda como esperado.

- Que possua uma expressão básica, contida e adequada a este tipo de situação.

- Que possua um grau de conhecimentos médio e não excessivamente aprofundado.

- Que escreva sem demasiados voos criativos, de forma impessoal.

No fundo, no fundo, que seja um cidadão conformado, acrítico, automatizado. O ideal para qualquer governo neo-liberal.

São opções, repito, ideológicas e políticas.

Tais como as das famílias, ao escolherem a escola para os seus filhos. Com que tipo de população escolar quero que o meu filho conviva? Um exército de meninos obcecados pelos resultados, desejosos de agradarem aos pais, avós e tios, ávidos de entrar na empresa onde já têm o lugar marcado, onde vão ser jovens quadros produtivos com horário das oito da manhã à meia-noite, "cadáveres adiados que procriam", ou de jovens vivos, conscientes, curiosos, críticos, generosos, abertos à vida e ao imprevisto e sem medo? Qual é o melhor médico? O que teve vinte porque sabe de cor o nome de todos os ossos ou o que, para além disso, sabe o nome do doente e sobretudo percebe a emoção que ele está a sentir? Estamos num país livre. Enfim... mais ou menos. Podia ser pior. E os rankings são eloquentes. Mas não da forma como têm sido interpretados.


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