2013-11-27



Risoleta C Pinto Pedro


"OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO"

“E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos?
Olhai para os lírios do campo, como eles crescem;
não trabalham nem fiam;
E eu vos digo que nem mesmo Salomão,
em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.”

Mateus 6:28-29



Eu, que não sou uma leitora assídua do Evangelho, caí esta manhã no meio deste trecho. Isto, porque uma citação das que proliferam na Internet atribuídas a x e a y ( o Fernando Pessoa deve dar voltas na tumba se souber as muitas coisas, e sobretudo os estilos que lhe são atribuídos), citava como pertencendo a S. Mateus, mais especificamente “Mateus 6:13” algo assim: “Nem tudo são perdas, algumas coisas são livramento”. Embora estando totalmente de acordo, não me pareceu muito o estilo de S. Mateus, mas mais uma coisa tipo Nova Era, embora também deva admitir que muito do que se diz na Nova Era (e não só, e não só, também na ciência…) radica nos textos religiosos antigos.

Mas esta conversa destinava-se a explicar que a minha costela de rigor foi ao Evangelho Segundo S. Mateus e não encontrou nada disto nem parecido, e não só não o encontrou no Mateus 6:13, mas em todo o Mateus 6. No meio da pesquisa algo piscou, cintilou para mim: o Mateus 6:28-29. Que diz o que está contido na citação com que inicio esta crónica.

E era aqui que queria chegar depois de uma longa incursão pelo Evangelho de Mateus: a negação da crença de que para haver abundância é preciso esforço. E isto é de Mateus, da Nova Era e da nova… “santa” ciência! Esta santa “Troika” está de acordo, e em total desacordo com a outra Troika, que eu desconfio que é cada vez menos troika, mas como não sei russo, desconheço como se designa uma aliança de quatro” personagens do mesmo nível e poder que se reúnem em um esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar uma missão”. Porque todos falam em Troika mas esquecem-se que o governo está antes, depois e dentro da troika, é tão ou mais troikista que a própria. Para completar a missão de escravização deste povo, dos povos: o poder ao serviço do grande capital sem nação e sem rosto.

Seja lá como for, três ou quatro, ou poucos, ou imensos, andam a tentar convencer-nos que o problema do país está relacionado com trabalharmos pouco. Até acrescentam horas de trabalho, reduzem feriados e pagam menos, de acordo com o “pouco valor ou quantidade” do que fazemos. Eu não sei se eles acreditam nisso, mas sei que pretendem que nós acreditemos.

E nós? Acreditamos?

Chegou a altura de reler os Evangelhos com olhos de reler, ouvir os físicos quânticos que começam a aperceber-se que somos os criadores do nosso mundo e que podemos criar o que quisermos se verdadeira e emocionalmente acreditarmos nisso, o mesmo que os textos religiosos antiquíssimos vêm ecoando do fundo dos tempos. Que apenas teremos de ser escravos se o permitirmos e que trabalho pode ser prazer, criação, alegria, liberdade, cooperação e dignidade. Não tem de ser sinónimo de exploração ou esforço.

Podemos não ter de ir tão longe como aos antigos textos religiosos. Basta-nos reler um já saudoso embora recente e sempre atual português chamado Agostinho da Silva. Porque é preciso desmistificar rápida, intensa e sistematicamente esta ideologia da miséria e dizer que o rei vai nu: “Um homem pode aprender ortografia ou aritmética ou lá o que seja e ao mesmo tempo, já prevenindo-se para o caso de nunca mais ter emprego, saber pintar, saber fotografar, saber dançar, saber, se for preciso, ser vadio. O que só vale a pena ser vadio quando se contempla o mundo e se percebe o mundo.

Não se trata de profissão, trata-se de arte e trata-se de criação. O homem não nasce para trabalhar. O homem nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

O objectivo da nossa vida no mundo é haver essa reforma para toda a gente, mas evitando o que acontece a grande parte dos reformados que, porque só aprenderam a trabalhar, ficam muito tristes porque não têm trabalho e morrem rapidamente... Não sabem fazer mais nada, só trabalhar...”


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