2013-06-12



Risoleta C Pinto Pedro


Arte, liberdade, pontuação e Saramago

O sentimento comum a muito criadores é o de que, uma vez dada à luz a obra, ela deixa de lhes pertencer. Se é que alguma vez lhes pertenceu, digo eu.

Acrescento a isto algo dito já não me recordo por que reconhecido arquiteto, e eu partilho: a obra de arte é tanto mais rica e interessante quanto mais complexa. Assim, quantos mais sentidos, visões e leituras ela permitir, tanto mais digna de nota. Isto tem algo a ver com a questão há tempos colocada a um escritor também não me perguntem quem, porque" varreu-se-me", sobre o que tinha ele querido dizer com tal texto ou tal obra, ao que ele respondeu que tinha querido dizer justamente aquilo, porque se tivesse querido dizer outra coisa, teria escrito essa coisa outra. Uma vez criado o objeto, para quê explicá-lo? E com isto poderia ter acrescentado, não me recordo se o fez: "quem quiser que acrescente um ponto". Eu poderia ter dito isto, é a minha experiência com o que tenho escrito. Escrevi, voou, por favor, reescrevam sobre as linhas. É a questão da partilha do autor com aqueles que irão receber a obra, a co-criação. Até que ponto uma obra fica encerrada com a sua conclusão? Até que ponto o pai ou a mãe encerram os seus filhos numa torre com tetos baixos para que não cresçam? A moderna arte concetual coloca questões afins. A não ser que alguém conheça muito bem a obra de um artista, são poucas as hipóteses de acertar no processo que o conduziu àquele objeto. O que não significa que não seja muito interessante conhecer o pensamento, o caminho, a pesquisa e os afetos que ali o conduziram, mas pretender fechar a obra numa gaveta concetual, pretender forçar quem a recebe a ter uma leitura servida numa caixa hermética, é injusto para ela, para o autor e para o fruidor.

É nesta estética ou poética que se integra a opção de Saramago por uma pontuação onde cada leitor tem a liberdade de encontrar e imprimir a sua própria entoação e ritmo ao texto que lê. É um processo interessante e esteticamente democrático.

É por isso que quando escrevo sobre qualquer arte, seja visual ou performativa, não me coloco como crítica, que não sou, mas como fruidora, numa primeira fase, e escritora, quando as palavras acontecem. Sem a ditadura do pensar, mas com toda a liberdade do olhar, do experimentar e do sentir.



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