2012-05-16



Risoleta C Pinto Pedro


Ilusão e realidade



Foi tudo estranho. Há tanto tempo que não ia à SPA... a última vez fora para o derradeiro encontro (enfim, estas coisas que se dizem, sabemos lá nós o que é isso de derradeiro. ou de primeiro... ) com o Jaime Salazar Sampaio, que da SPA fez sala de espera para se despedir. Ou nós dele.

Desta vez vinha saindo ainda impressionada (no sentido em que assim fica a película de uma fotografia) pela presença, logo à saída, de um piano onde terá aprendido Vitorino de Almeida, e mais acima, a máquina de escrever do Jaime, onde escreveu a maior parte das suas peças.

Vinha, pois, impressionada com a presença destes dois pesos pesados, embora um seja muito mais leve segundo as leis da física, mas não segundo as leis do talento e do trabalho. Sou muito sensível aos teclados, tanto os das máquinas como os dos pianos, que me estimulam igualmente.

Quando passei pelo segurança, ele estava ao telefone e gritava com uma intensidade que me pareceu excessiva e cujo tom não soube interpretar. Ele referiu a nome de Bernardo Sassetti e falava em "cair" em qualquer coisa como um buraco. Pensei, na minha presunção, que ele estaria a falar, mais propriamente a brincar, com o Bernardo Sassetti, que estaria do outro lado. Nada de estranho, admitamos.

E depois cheguei a casa e o telejornal anunciou o inadmissível, o que eu já ouvira e em primeira mão não acreditara. Preferi arranjar a realidade ao meu gosto. O segurança brincava. Parece, realmente, uma brincadeira. De mau gosto.

Como quando, há umas semanas, no supermercado, uma senhora, também aos berros, comentava, ao telemóvel, a morte de Miguel Portas e eu me escandalizava com a facilidade com que as pessoas lançam boatos... E não era. Como me apercebi umas horas depois, pelo telejornal.

Só não ficamos mais sós porque existe a música e existe a arte. E existimos nós. Que somos a nossa melhor companhia e só assim sendo saberemos sê-lo para os outros. Apesar das perdas. Ou por causa do que aprendemos com elas. Entre companheiros mortos e companheiros vivos se faz o nosso caminho. Que percorremos com uma venda nos olhos. Só o amor torna essa venda mais transparente, só ele permite a passagem de alguma luz. Tudo o resto é ilusão.



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