2011-01-26



Risoleta C Pinto Pedro


QUANDO O HUMOR NOS ENTERNECE ...

... e comove. Alguns dos actuais melhores momentos de televisão (não todos, alguns) têm-me sido proporcionados por Mário Crespo nas suas entrevistas. Recordo uma conversa com Lobo Antunes, e refiro hoje uma entrevista a que recentemente assisti (ainda sobre o seu efeito) com Jel, um extraordinário humorista português contemporâneo. Eu já tinha assistido a alguns sketchs dele e do seu parceiro (afinal, irmão) na Sic, mas não imaginava de quem se tratava nem como se chamavam, nem de onde raio tinham saído, de tão diferentes. Radicais, sem dúvida, mas cultos, radicais, mas livres, radicais, mas lúcidos, radicais, mas corajosos. Sem tabus, com poucos limites mas altamente éticos, sobretudo no que toca à liberdade. Gostam do sucesso, mas preferem não ser ricos e manterem-se livres. As suas intervenções não cabem num formato de estúdio, mas assemelham-se mais a performances, procuram a rua e vêem-se em palpos de aranha com a competição cerrada que a política (os políticos) lhes vem fazendo. É um facto que a vida política se vem apresentando de forma cada vez mais ridícula, cada vez mais contraditória, cada vez menos… elevada. Os Homens da Luta, como se designam, com razão ou sem ela, com mais ou menos excesso, mais ou menos ridículo, são uma lufada de ar fresco que irrompe por campanhas eleitorais, conferências, manifestações, todo o tipo de eventos. E interrompe, ridiculariza, denuncia. É uma nova e original forma de humor, tão livre que se faz na rua, mas tão eficaz, original e genuína, que não precisa de oferecer o seu produto, é a televisão que vai buscá-los à rua e os transporta para o estúdio.

São surpreendentes, mesmo quando falam da crise. Defendem que é preciso fazer a festa com ela. E na rua. Fazem uma suave agitação quando recordam o sentido mais antigo da palavra de crisol, a origem sânscrita que leva à interpretação da palavra crise como purificação. Crisol é definido como um cadinho onde o metal é fundido e se separa em materiais diferentes. Um processo de sublimação. No fundo, um processo alquímico. E alude ao crisol a que se tem assistido nas ruas de Atenas, nas ruas de Roma. O berço da nossa civilização está efervescente. Isto dá que pensar.

Jel não defende a violência, defende a festa, e já tem sido, nas ruas, alvo da violência dos que, perplexos, não entendem ou se sentem agredidos pelo seu humor. Normalmente não reagem, não ripostam. Na entrevista reafirma o seu pacifismo, mas não deixa de referir o crisol das ruas de Atenas, das ruas de Roma. Compreendo-o. O povo não é santo e está cansado. Por mais pacifista que seja, há uma saturação, um crisol. Mas é preciso não esquecer a festa. O humor, quando inteligente, ainda que por vezes nos choque, por passar determinadas barreiras, pode ajudar ao processo do crisol. Pela festa. Uma forma possível de lucidez e denúncia.

risoletacpintopedro@gmail.com

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